Revista NG
Segunda edição Revista NG.pdf
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UFAL
ABRIL, 2016
NÚMERO 02
NeuroGenesis
gerando ideias
O QUE VOCÊ
QUER SER
QUANDO
{
CRESCER?
E mais:
Quem foi Nise da Silveira?
Estudantes estrangeiros na UFAL
Editorial
Ensino
● Por que ensinar gênero e sexualidade
nas faculdades de medicina?
● Por trás da formação médica
Residência Médica
● Muito mais que Clínica x Cirurgia
● Residência Médica x Prova de Título
Notícias
● The Winter is coming...
História da Medicina Alagoana
● Nise da Silveira: Uma vida transformada
em luta, cultura e arte
Pesquisa
● Descomplicando com a PCR
● Doenças Negligenciadas: Por quem?
● Estudante Pesquisador
Caso Clínico
● Dissecando o Coração
Extensão
● O amor é contagioso
● Enxergando a vida com outros olhos
Fala, Sebastião!
● O internato na construção do médico
● Por um prato de comida?
Rodando no Internato
● Acadêmico à Área Vermelha!
Pelo Mundo...
CULT
Salve, monitor!
Fala período
Agenda
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Editorial
A Revista NeuroGenesis surge com o propósito
de levar ao estudante de medicina informação, cultura
e entretenimento. Consideramos fundamental para
cada estudante – seja ele um futuro médico ou não –
se apropriar da realidade por trás da faculdade que nos
rodeia, estar antenado sobre as mudanças propostas
dentro do nosso curso e ter senso crítico para discernir
o que há de novo, tendo como base o conhecimento
sobre o processo histórico que o levou até ali.
Nessa segunda edição, tratamos, dentre tantos
assuntos, sobre a escolha que permeia a cabeça de
todo estudante de medicina, antes mesmo de entrar na
faculdade: “que especialidade vou seguir?”. Queremos
mostrar um panorama das possibilidades que podemos
ter e dos possíveis desafios que vamos enfrentar. Nas
demais seções, versamos também pelas doenças
negligenciadas e sobre a história e vida de Nise da
Silveira. Além disso, buscamos mostrar o ponto de
vista dos doutorandos sobre a atuação do acadêmico
no internato e a experiência dos estudantes advindos
de outras culturas sobre o curso e a vida no nosso
país.
Acreditamos que a pluralidade de ideias
transforma nossa maneira de enxergar as coisas, dando
chance para o que há de novo e expandindo nosso
conhecimento. É com sentimento de gratidão – pela
receptividade, ideias e acolhimento – que lançamos
essa segunda edição. Agradecemos pela aceitação e
interesse da comunidade acadêmica. Ainda há muito
mais por vir.
Editorial
Editores
Ana Jesus
Ana Albuquerque
Arthur Sampaio
Attie Dalboni
Bruna Pereira
Cleide Araújo
Ednis Oliveira
Elka Karollyne
Fillipe Agra
Ingrid Guedes
Jailton Costa
Jardel Batista
Jonas Augusto
Kelvyn Vital
Lucas Emanuel
Matheus Veras
Mirna Costa
Pedro Braz
Suzanna Matos
Thaís Pithan
Colaboradores
Adelson Silvestre
Alexandre Rimuardo
Arthur Sampaio
Benjamin Mipopo
Bruna Freitas
Camila Hansen
Dalmo Santana
Elyne Calumby
Jacira Monteiro
Jessica Vila Nova
Jessyca Leite
Juliane Albuquerque
Lucas Fernandes
Luis H. Lemos
Matheus Baptista
Priscilla Guedes
Vanise Sacur
Victor José
Yasmin Cardoso
Dr. Flávio Soares
Dr. Ricardo César
Dra. Célia Maria
Dra. Daniela Martins
Dra.Josineide Sampaio
Por Attie Dalboni, editora da NeuroGenesis
EM CASO DE SUGESTÕES OU DÚVIDAS, ENTRE EM CONTRATO ATRAVÉS DO EMAIL
revistaneurogenesis@gmail.com
NeuroGenesis ● Abril2016
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4
Ensino
GÊNERO
SEXUALIDADE
POR QUE ENSINAR
E
NAS FACULDADES DE MEDICINA?
POR Victor José Correia Lessa - 10ºp
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em medicina (Resolução nº 3/2014)
propõem que, no âmbito da atenção à
saúde, o graduando deverá ser formado para considerar sempre questões
como gênero, orientação sexual e vários outros aspectos que compõem a
diversidade humana. Isso é de suma
importância no sentindo de garantir a
formação de profissionais capazes de
promover um atendimento médico humanizado, qualificado e livre de discriminações durante o acesso dos usuários ao Sistema Único de Saúde (SUS),
principalmente em se tratando da população de lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais (LGBTT).
Entretanto, na prática, ainda
prevalecem condutas inadequadas por
parte de médicos e outros profissionais
da saúde e iniquidades no atendimento ao público LGBTT. Alguns exemplos
são o desrespeito ao nome social de
travestis e transexuais e a permanência
da crença deturpada de que a homossexualidade seja uma patologia, parafilia ou “desvio sexual”.
Quando se fala sobre orientações sexuais, ainda persistem equívocos entre estudantes de medicina,
como mostra o estudo de Lima & Cer-
queira (2008), no qual foram vistas
proporções importantes de alunos que
consideram a homossexualidade uma
doença, apesar de a Organização Mundial de Saúde (OMS) tê-la excluído da
Classificação Internacional das Doenças (CID) desde os anos noventa.
Um estudo asiático recente
analisou o discurso de estudantes de
medicina em postagens relacionadas
ao tema gênero numa plataforma de
comunicação local. Nos discursos, foram observadas características como
reprodução de estereótipos de gênero,
divisão sexista do trabalho e ridicularização de LGBTT.
Tais resultados revelaram a
existência de uma cultura machista e
heterossexista entre os estudantes.
Apesar de a pesquisa ter sido realizada
em Taiwan, essa realidade não é muito
diferente da encontrada dentro dos cursos de medicina brasileiros.
Estudo realizado entre março
de 2010 a julho de 2011com 207 professores de 110 escolas médicas de
todas as regiões do Brasil revelou que
o ensino da sexualidade, quando existente, costuma ser pautado por aspectos biológicos e patológicos durante a
formação. Por outro lado, a diversidade
de comportamentos sexuais humanos
e aspectos sociais relacionados à sexualidade são temas pouco abordados
pelos discentes. Questões como direitos sexuais e reprodutivos, violência sexual, homofobia e papéis socioculturais
de gênero são tratadas por menos da
metade dos professores.
Diante do exposto, é imperativa
a necessidade de incluir nos currículos das faculdades de medicina conteúdos a serem ministrados de maneira
adequada e ampla referentes à sexualidade humana, gênero e saúde da população LGBTT, no intuito de desconstruir preconceitos entre os graduandos
e uma vez que o profissional médico
deve estar capacitado a atuar diante
das demandas específicas de determinadas populações, como a de LGBTT e
outras minorias sociais historicamente
discriminadas, evitando-se, assim, que
os profissionais sejam mais um fator de
sofrimento psíquico, exclusão social e
piora das condições de saúde dos pacientes, em consonância com o que
estabelecem os princípios do SUS, as
DCN dos cursos de graduação em medicina, a Carta dos direitos dos usuários
da saúde e a Política nacional de saúde
integral de LGBTT.
Referências:
BRASIL. Carta dos direitos dos usuários da saúde. 1. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.
BRASIL. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.
CERQUEIRA-SANTOS, E. et al. Percepção de Usuários Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros, Transexuais e Travestis do Sistema Único de Saúde. Revista Interamericana de Psicologia, v. 44, n. 2, p. 235-245, 2010.
CHENG, L. F.; YANG H. C. Learning about gender on campus: an analysis of the hidden curriculum for medical students. Medical Education, v. 49, n. 3, p. 321-331, mar. 2015.
LEE, R. Health care problems of lesbian, gay, bisexual, and transgender patients. Western Journal of Medicine, v. 172, p. 403-408, jun. 2000.
LIMA, M. C. P.; CERQUEIRA, A. T. A. R. Crenças sobre sexualidade entre estudantes de Medicina: uma comparação entre gêneros. Revista Brasileira de Educação Médica,
v. 32, n. 1, p. 49-55, 2008.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução nº 3, de 20 de Junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências.
MOITA, G. A patologização da diversidade sexual: Homofobia no discurso de clínicos. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 76, p. 53-72, dez. 2006.
RUFINO, A. C.; MADEIRO, A.; GIRÃO, M. J. B. C. Sexuality Education in Brazilian Medical Schools. The Journal of Sexual Medicine, v. 11, p. 1110–1117, 2014.
NeuroGenesis ● Edição 02
5
Ensino
P O R e l k a k a r o l ly n e - 6 º p | J o n a s a u g u s t o - 4 º p | j a i l t o n c o s t a - 3 º p
P O R E l k a k a r o l ly n e - 6 º p | J a i l t o n c o s t a - 3 º P | J o n a s a u g u s t o - 4 º P
Faculdade de medicina é sinônimo de pressão.
Embora a existência de prazos apertados, grande quantidade de conteúdo e a cobrança pela excelência não
sejam exclusividade da área médica, existe o fato de
que lidamos (ou lidaremos) com vidas. Tratar o biopsicossocial dos pacientes é uma grande responsabilidade
e somos constantemente lembrados disso.
Em maior ou menor grau, a condição de estresse permeia todo o processo de formação do estudante,
tendo sua origem ainda no período de vestibular, em
virtude da concorrência acirrada enfrentada pelos estudantes que almejam uma vaga no curso de Medicina;
Há uma cobrança por um amadurecimento precoce e a
carga de responsabilidade aplicada ao indivíduo é imensa. Os primeiros períodos te fazem sentir que está sendo sufocado por uma avalanche e, por mais que você
avance a sensação de não saber o “suficiente” é constante.
Cada indivíduo tem uma maneira de lidar com
essa pressão e isso está intimamente ligado ao preparo
psicológico que o estudante teve. Contudo, que atire a
primeira pedra o acadêmico que nunca passou por privações dos mais diversos níveis: a começar pelo sono,
momentos de lazer, atividade física, interação com a família, entre tantos outros.
Você já mensurou os prejuízos que isso te traz?
Em um estudo com estudantes de Medicina da
Faculdade Evangélica do Paraná, HARADA (2013) foi
visto que o índice de estudantes declarados com estresse moderado foi superior a 70% em todas as classes.
Nos ingressos no 3º ano não foram encontrados indivíduos autoavaliados sem estresse e 75% dos entrevistados afirmaram categoricamente que há estreita relação
entre as atividades acadêmicas e potenciais situações
desencadeadoras de estresse. Outro estudo realizado
na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do
Ceará (UFC), em março de 2007, considerou as taxas
de stress dos acadêmicos do 1º, 4º e 8º períodos. Dos
200 estudantes que participaram do estudo, 73,5% (n =
147) consideraram suas atividades na faculdade como
fonte de estresse. Já um estudo realizado com 413
estudantes da Faculdade de Medicina de Marília, em
2003, demonstrou que, dos estudantes com estresse,
88,19% se encontravam na fase de resistência.
Um dos aspectos mais prejudicados na vida desse estudante de medicina tenso é o sono, tanto no tempo dedicado a este, quanto na qualidade desse descanso.
O sono é fundamental para a manutenção plena da saúde, participando da homeostase e tendo a
mesma importância que comer e beber, por exemplo.
Estudos feitos acerca da privação do sono e seus efeitos mostram que existe uma progressiva deterioração
mental, psicológica e física. Nesse meio estão incluídos
problemas de memória, alterações de humor, diminuição da coordenação motora e danos corporais térmicos
e cardíacos.
O termo sonolência é usado como propensão
a cochilar ou dormir quando se intenciona permanecer
acordado e deve ser distinguido da sensação de cansaço e fadiga (Johns e Hocking, 1997). A sonolência
diurna excessiva é considerada um problema de saúde
pública, afetando 12% da população (Punjabi, 2003).
Segundo um estudo sobre o assunto publicado recentemente na Revista Brasileira de Educação Médica, essa
taxa de sonolência diurna excessiva chega a mais de
49% entre estudantes de medicina. Ela se correlaciona com acidentes de trânsito e de trabalho, problemas
relacionais e diminuição da qualidade de vida, além de
problemas cardiovasculares (Roth, 1996). Essa sonolência diurna pode estar relacionada à privação de sono
em si, mas também à má qualidade das noites dormidas
(quantidade de horas), ao ciclo circadiano de cada pessoa e ao uso de medicamentos.
6
Ensino
Um hábito muito presente no meio acadêmico,
assim, também, nas faculdades de medicina, é a “necessidade” de alunos passarem noites sem dormir, ou
dormindo apenas algumas horas, por precisarem se
preparar para algum teste ou apresentação. Esse tipo
de prática não é saudável e não deve ser inteiramente
compensada com cochilos durante o dia, pois a qualidade do sono e a própria característica dele é diferente.
Da mesma forma, um final de semana não é ideal para
regularizar uma semana mal dormida. A rotina deve ser
pensada de forma que privilegie a qualidade de vida,
adequando o estudo e as outras atividades a essas condições.
Porém, mudar seu estilo de vida nem sempre
é simples. Para alguns, na tentativa de suprir essa cobrança, ocorre uma descoberta que pode ser utilizada
como fonte de escape, que pode levar o estudante, e
futuro médico, a uma visão distorcida do que seria enfrentar situações sob pressão: o abuso de substâncias.
Em casos extremos, o estudante recorre às drogas, o que ocasiona a construção de uma vivência de
dependência química. Um dos mais altos índices de taxas e suicídio entre os médicos formados são atribuídos
aos anestesistas, o que muito se justifica esse dado é o
acesso livre, e de forma mais facilitada, a drogas mais
potentes que estes possuem. O consumo de sustâncias
químicas com a finalidade de, muito frequentemente,
atribuir maior disposição para quem consome, acaba,
por vezes, induzindo a uma realidade muito diferente
daquela até então usufruída.
Vamos voltar ao estudo realizado na faculdade
de Marília. 88,19% dos estudantes encontravam-se na
fase de resistência. Segundo Lipp, quando alguém vivencia a fase de resistência do estresse ainda não há
uma patologia instalada.
Sendo assim, pode-se fazer alguma coisa para
que esse processo seja revertido. Isso não significa se
distanciar do agente estressor, uma vez que não apenas a duração do curso médico é longa, mas também a
residência e toda a trajetória desse profissional estarão
suscetíveis às situações estressoras.
Enquanto profissionais de saúde, receitaremos
aos nossos pacientes pílulas, xaropes, avaliações cirúrgicas e muitas, mas muitas mudanças de estilo de vida.
Se nós estudamos os benefícios dos exercícios físicos,
lazer, boa alimentação, sono adequado, entre outras
medidas, e classificamo-las como fatores determinantes da qualidade de vida dos nossos pacientes, porque
esses conselhos não servem pra nós? Vá lá, doutor! Se
autoindique qualidade de vida! Pratique suas indicações
terapêuticas.
NeuroGenesis ● Edição 02
Inspirados pela atividade “Formar cuidadores
saudáveis: Grande desafio” do projeto Práxis na Saúde
da Universidade Federal da Paraíba, convidamos você
a refletir:
V ocê está cuidando de si
para cuidar dos outros ?
REFERÊNCIAS
AGUIAR, S. M. et al . Prevalência de sintomas de estresse nos estudantes de medicina. J. bras. psiquiatr., Rio
de Janeiro , v. 58, n. 1, p. 34-38,
2009 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0047-20852009000100005&lng=en&nrm=iso>. Acesso
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FIEDLER, P. T. Avaliação da qualidade de vida do estudante de medicina e da influência exercida pela formação acadêmica. 2008. Tese (Doutorado em Medicina Preventiva) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo,
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GUIMARÃES, K.B.S. Incidência de estresse e formação médica. Rev Psicol UNESP. São Paulo, v.4, n. 1, p. 41-57, jul.
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HARADA, B.A. et al. Perfil psicológico do estudante de Medicina. Rev. Med. Res., v.15, n.2, p. 93-101, abr./jun. 2013. Disponível em: <http://crmpr.org.br/publicacoes/cientificas/index.
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KLOSTER, M. C. et al . Sonolência diurna e habilidades sociais em estudantes de medicina. Rev. bras. educ. med., Rio
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LIPP, M. E. N. Manual do inventário de sintomas de stress
para adultos de Lipp (ISSL). São Paulo: Casa do Psicólogo,
2000.
PASCOTTO, A. C. SANTOS, B. R. M. Avaliação da qualidade do sono em estudantes de ciências da saúde. Journal of
the Health Sciences Institute. São Paulo, v.31, n. 3, p. 306310, Jul. 2012. Disponível em: < http://www.unip.br/comunicacao/publicacoes/ics/edicoes/2013/03_jul-set/V31_n3_2013_
p306a310.pdf>. Acesso em 2016-02-17.
Residência Médica
MUITO
7
mais
QUE
clínica x cirurgia
P O R a r t h u r s a m pa i o - 4 º p | s u z a n a m at o s - 6 º p
O que você vai ser quando crescer? Provavelmente essa seja uma das perguntas que mais escutávamos na escola, e muito provavelmente, será a que
responderemos em muitos outros momentos da vida,
como por exemplo, durante a faculdade. A escolha da
especialidade a ser seguida, é uma das respostas que
precisamos saber dar: se será clínica ou cirúrgica, em
seguida se faremos uma subespecialização e assim por
diante. Isso sem contar na possibilidade de fazer uma
especialidade de acesso direto, ou ainda seguir na área
da pesquisa.
As especialidades de acesso direto, quebrando
a dualidade entre Clínica x Cirúrgica, são aquelas em
que não são necessários pré-requisitos para pleitear
uma vaga, sendo que algumas delas são especialidades em áreas básicas, como: cirurgia geral, clínica médica, ginecologia e obstetrícia e pediatria. Além das áreas básicas, existem as especialidades cirúrgicas, como:
oftalmologia, ortopedia, traumatologia, neurocirurgia e
otorrinolaringologia; e também existem as especialidades clínicas de acesso direto, como: dermatologia, neurologia, infectologia, genética médica e psiquiatria. E
por último, as especializações voltadas para o diagnóstico e tratamento, que são: medicina nuclear, medicina
legal, radioterapia, radiologia e patologia.
Assim, estar em dúvida ou gostar de forma
igual das especialidades clínicas e cirúrgicas não é um
problema, pois é possível conciliar as duas. No caso da
ortopedia observamos uma rotina com mais cirurgias
e emergências e menos clínica; já os oftalmologistas
lidam mais com a prática clínica do que com cirurgias
ou emergências. Com isso, é importante conhecer cada
especialidade e saber se ela pode proporcionar o que
almeja em: qualidade de vida, afinidade, disponibilidade
de tempo, remuneração, consultório ou centro cirúrgico, vínculo com o paciente e plantões. Desta forma, se
conhecer e saber quais as prioridades na vida ajudam
NeuroGenesis ● Abril 2016
na escolha da especialidade. Para muitos estudantes de
medicina escolher algumas das especialidades de acesso
direto ou cirúrgica seria o mesmo que afastar-se do ideal
de médico generalista, pois essas especialidades envolvem um alto nível de especialização, aprofundamento de
conhecimento, e em algumas, menor contato com os pacientes, além de reforçar o padrão biomédico. Contudo,
é necessário reconhecer que seria impossível um único
médico saber de tudo e se aprofundar com propriedade
em diversos temas. Assim sendo, não se pode fomentar
essa dualidade entre especialidades clínicas e cirúrgicas,
como se estivéssemos falando em bem ou mal, pois ambas os ramos são fundamentais para o estabelecimento e
restauração da saúde e da qualidade de vida dos pacientes.
As especialidades clínicas são aquelas que têm
como pré-requisito a realização de 2 anos de clínica médica, dentre elas temos a Geriatria, a Nefrologia, entre outras. Já as especialidades cirúrgicas, como cirurgia pediátrica, plástica, torácica e outras, exigem a realização de 2
anos de cirurgia geral anteriormente.
do
Contudo, além da
Clínico: “Sou fascina
diferença no tempo
médicorelação
pela
de formação destas
ser uma
paciente, não podia
especialidades, a
paciente...”
especialidade sem
principal dualidade
entre elas está no
perfil dos profissionais que a praticam.
Bellodi (2000) realizou um estudo com residentes do programa de Clínica Médica e Cirurgia do Hospital
das Clínicas da USP e observou que a diferença entre
os profissionais dessas áreas se inicia desde o processo de escolha da especialidade. A maioria dos cirurgiões
declarou ter optado pela especialidade antes mesmo de
entrar na faculdade, por outro lado, os clínicos tiveram
8
Residência Médica
um processo de tomada de decisão, que só foi consolidada
nos dois últimos anos de faculdade. Este mesmo estudo
questionou o porquê da escolha da especialidade, e uma
das respostas dada por um clínico foi: “Sou fascinado pela
relação médico-paciente, não podia ser uma especialidade
sem paciente...”; por sua vez, um dos cirurgiões respondeu
da seguinte maneira: “Tem a ver com personalidade: sou
um cara prático, sem rodeios, o problema é esse e tem que
ser resolvido de tal maneira...”.
A partir dessas respostas entendemos os estereótipos construídos em torno da imagem dos clínicos e dos
cirurgiões. Os clínicos são tidos como teóricos e pouco
objetivos, tendendo a ser mais sensíveis e próximos dos
pacientes, e por muitas vezes trabalham com incertezas,
hipóteses, investigação, prezando sempre pela visão holística dos pacientes. Com isso, em muitos casos, os clínicos acompanham os pacientes por toda a história de sua
patologia, como no caso dos pacientes com diabetes, que
demandam cuidados constantes e uma visão generalista.
Os cirurgiões, em contra partida, são aqueles que trabalham com o concreto e palpável, tendo em suas condutas
resultados imediatos,
tanto positivos como
Cirurgião: “Tem a ver com
negativos, por isso
personalidade: sou um
são tidos como procara prático, sem rodeios,
fissionais resolutivos.
o problema é esse e tem
Diante disso, muitos
pacientes veem os
que ser resolvido de tal
cirurgiões como pesmaneira...”
soas frias, invasivas
e, por vezes, fonte de
pouca empatia.
Assim, a escolha da especialidade deve ser um
processo construído durante o curso e de acordo com os
objetivos individuais. Os seis anos de curso devem ser
aproveitados ao máximo pelo estudante, independente da
especialidade que foi ou será escolhida, a fim de que sua
formação não seja prejudicada, pois para ser um bom cirurgião necessariamente deve haver boas bases clínicas. Com
isso, deve-se utilizar o tempo de formação para conhecer as
especialidades de acesso direto, as especialidades clínicas
e suas subespecializações, assim como as especialidades
cirúrgicas e suas subáreas. Tendo em mente sempre que
os ambulatórios podem não ser monótonos, as enfermarias
nem sempre calmas, e os centros cirúrgicos, por vezes, não
te permitirão almoçar.
residências médicas no brasil
outras justificativas de residentes sobre sua
escolha de especialidade - Bellodi (2000)
Clínicos
“Não tinha perfil nenhum para cirurgia, nem habilidade manual,
achava maçante...”
“É mais legal pensar, raciocinar no que vai fazer, alterar uma
conduta com base no que imaginou fazer. É muito técnico entrar,
abrir, cortar e costurar...”
“A gente se preocupa em entender todas as facetas da pessoa...”
Cirurgiões
“Cirurgia é a especialidade prática da medicina: se é mole, corta; se
é duro, serra; se está sangrando, pinça; se tem pus, drena..”
“Não fica aquela coisa de ficar com o paciente anos e anos, o
remedinho, por exemplo: o diabético, sempre tem que controlar...”
“Os resultados, bons ou ruins, são mais imediatos que outras
especialidades...”
Desta forma, conhecer bem a rotina da especialidade que se escolhe é extremamente necessário, se possível,
faça um estágio na especialidade durante pelo menos um
mês, extrapolando aqueles do internato, e por último pondere se isto é realmente o que você quer para o resto de sua
vida.
“O livro que todo futuro médico deveria ler”
Afinal, você já é grande, o que vai fazer?
“O Clínico e o Cirurgião – estereótipos, personalidade e escolha
da especialidade médica”
Dicas de Leitura:
- João A C Lima, M.D (Professor of Medicine - Johns Hopkins University)
NeuroGenesis ● Edição 02
- Bellodi, PL. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2000
Residência Médica
RESIDÊNCIA MÉDICA X
Prova de titulo
POR arthur sampaio - 4º p | s u z a n n a m at o s - 6 º p
Ao contrário do que muitos pensam, o médico recém-formado não é um clínico geral. O termo adequado para o estudante
que terminou a graduação em Medicina é o de “generalista”, isso
significa que o novo médico não é um especialista. No Brasil, há
apenas duas formas de se obter esse nível de especialização certificado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) por meio de seus
Conselhos Regionais (CRMs): 1) a conclusão de programa de Residência Médica credenciada pela Comissão Nacional de Residência
Médica (CNRM) ou 2) através de prova realizada pela sociedade da
respectiva especialidade médica que deve estar filiada à Associação
Médica Brasileira (AMB).
A busca pela especialização relaciona-se diretamente com
questões inerentes à valorização profissional, busca por melhor remuneração e até necessidade para inscrição em concursos ou seleções públicas. Contudo, apesar de minoria, o número de médicos
generalistas ainda é grande. Segundo dados da publicação Demografia Médica no Brasil 2015, um estudo realizado por pesquisadores
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
com apoio do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) e do CFM, no ano de 2014, 41% dos médicos não possuíam
título de especialista, totalizando 159.341 profissionais. Enquanto,
os outros 228.862, 59%, possuíam ao menos um título de especialista. A região Nordeste apresenta a segunda menor proporção de
especialistas em relação a generalistas, ficando à frente apenas da
região Norte (figura no final). O estudo também revela que apesar
dos homens serem maioria em 38 das especialidades, ambos os sexos apresentam a mesma porcentagem em relação a médicos com
títulos e sem títulos, respectivamente 59% e 41%. Quanto à idade
encontra-se uma menor proporção de especialistas na faixa mais jovem (de até 29 anos) e a explicação para isso não é nem um pouco
difícil.
A Residência Médica é considerada pela grande maioria o
“padrão-ouro” da formação dos médicos especialistas, mas o número de vagas disponíveis é incapaz de abarcar os milhares de egressos anuais das faculdades médicas brasileiras, fora os estudantes
formados em outros países que revalidam seu
diploma no nosso país. A situação se assemelha
a um segundo vestibular, com alta concorrência
e cursinhos preparatórios que já são conhecidos
desde o primeiro período do curso. O atual governo, por meio da controversa lei Nº 12.871, mais
conhecida como Lei dos Mais Médicos, promete igualar o número até 2018, com a criação de
12 mil vagas até 2017. Enquanto isso resta aos
não aprovados seguirem outros caminhos, já que
também não possuem a experiência exigida para
realizar a prova de título. Dentre os caminhos possíveis, alguns iniciam curso de especialização,
outros buscam estágios remunerados e até não
remunerados na especialidade escolhida e uma
outra parcela é absorvida pelo mercado de trabalho.
Para um melhor entendimento de tudo
que foi escrito até aqui, usaremos o exemplo do
início do texto, o famoso Clínico Geral. Para alcançar esse título são necessários além dos 6 anos
de graduação, 2 anos de Residência Médica em
Clínica Médica OU prova de título realizada pela
Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM).
A SBCM realiza o concurso por meio de duas etapas: análise curricular (peso 2) e prova escrita do
tipo teste (peso 8). Além disso, o candidato deve
estar em conformidade com os pré-requisitos estabelecidos pela própria Sociedade. Vale salientar
que cada sociedade tem o poder de adotar pré-requisitos próprios, o que impossibilita a descrição
no presente texto dos requisitos das mais de 50
áreas de atuação médica reconhecidas no país.
Dica: os editais são facilmente encontrados em
uma rápida busca na web (Salve, salve, tio Google!).
Seja através da Residência Médica ou da
Prova de Título, o importante é que o estudante de Medicina conheça as alternativas e caminhos possíveis para que escolha a forma que mais se encaixa com suas
possibilidades e perfil.
NeuroGenesis ● Abril 2016
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10
Notícias
The WINTER IS
COMING...
POR matheus veras - 8ºP
Os amantes da saga “As crônicas de Gelo e Fogo”
e acompanhantes assíduos da série Game of Thrones,
transmitido pelo canal HBO, podem conhecer de cor o famoso lema da Casa Stark e interpretá-lo como um alerta
de mau presságio (“O inverno está chegando...”). Porém,
o audacioso recordista holandês Wim Holf diria que, contraditoriamente, isso é uma ótima notícia para o corpo humano, principalmente para o nosso sistema imunológico!
Holf é conhecido mundialmente como “O Homem
de Gelo”, devido a sua capacidade singular de resistir a
temperaturas extremamente baixas e por seu recorde
mundial em tempo de imersão numa banheira de gelo.
Mas isso não é tudo! Através de técnicas elaboradas de
respiração e meditação, possibilitadas pela yoga, Holf alega ser capaz de controlar seu sistema nervoso autônomo,
argumentando ainda que essas habilidades permitem que
ele realize suas performances e o proteja de doenças.
Há dois anos, então, pesquisas começaram a ser realizadas na Universidade de Radbound Nijmegen, na Holanda,
para testar e validar os métodos utilizados por Wim Holf
e suas consequências no sistema nervoso e imunológico do ser humano. Atualmente, a metodologia de Holf e
os estudos realizados em Nijmegen demonstram que a
resposta imunológica pode ser voluntariamente influenciada de maneira não-farmacológica através de ativação
do sistema nervoso simpático. Porém eles enfatizam que
ainda não se investigou a aplicabilidade de tais técnicas
em pacientes doentes.
Pesquisa: O estudo foi realizado com 24 indivíduos
saudáveis divididos aleatoriamente em dois grupos: grupo de intervenção (n = 12) e grupo controle (n = 12). O
primeiro grupo foi treinado por Wim Holf durante dez dias,
realizando um número específico de técnicas. O treinamento aconteceu na Polônia, onde os voluntários aprenderam técnicas de respiração e meditação, além de andar
de short pelo gelo e nadar em águas geladas. Ao regressarem para a Holanda, os cientistas aplicaram nos dois
grupos (intervenção e controle) uma injeção contendo endotoxinas da bactéria Escherichia coli (2 ng/kg – IV) para
estimular uma resposta de defesa do sistema imunológico.
Segundo os pesquisadores, o treinamento e aplicação das técnicas de meditação e respiração promovem
uma maior produção de epinefrina. Esse hormônio é conhecido por ser liberado durante a estimulação do siste-
NeuroGenesis ● Edição 02
ma nervoso autônomo simpático e por suprimir a atividade imunológica sistêmica. Os autores do estudo alegam
que os resultados podem ter grande implicações para pacientes portadores de doenças autoimunes, como artrite
reumatoide e esclerose múltipla.
Obviamente, existem riscos e nada deve ser tentado sem o acompanhamento de pessoas treinadas e
qualificadas. A hipotermia é um risco real a vida dos aventureiros que decidirem imitar Holf em suas imersões em
banhos de gelo. Além disso, exercícios de respiração podem ser desconfortáveis e causarem vertigem.
“De fato, observamos que, nos indivíduos treinados, a liberação
de proteínas inflamatórias foi atenuada e eles experimentaram
muito menos sintomas de febre e dores de cabeça em relação ao
grupo controle.” – afirmou o médico anestesista e intensivista
Dr. Matthijs Kox do Instituto de Infecções, Inflamações e Imunidade de Nijmegen.
Mesmo que se comprove algumas incoerências
nas afirmações e técnicas de Wim Holf, ele já nos mostra
que existe relação entre o Homem e a Natureza e justifica
a importância de estarmos em sintonia com a mesma. As
discussões atuais já nos levam a refletir sobre a maneira destrutiva e abusiva com que tratamos o meio-ambiente, assim como é evidente as consequências das nossas
ações desmedidas. Talvez o desenvolvimento, apontado
sempre como inimigo, comece agora a se tornar aliado
nesse processo, elucidando como é urgente a valorização
daquilo que nos cerca e que nos fornece os subsídios para
viver. Por isso, é preciso que a ciência continue explorando
campos inóspitos, imergindo em áreas mais profundas que
envolvem o ser humano. Pois foi na escuridão gélida do
desconhecido que Wim Holf nos deu os primeiros sinais de
que ainda há muito a ser descoberto sobre o nosso corpo
e o meio que nos cerca.
Kox M., van Eijk L. T., Zwaag J., van den Wildenberg J., Sweep F. C. G. J., van
der Hoeven J. G., Pickkers P. Voluntary activation of the sympathetic nervous
system and attenuation of the innate immune response in humans. PNAS 2014
111 (20) 7379-7384; published ahead of print May 5, 2014, doi:10.1073/
pnas.1322174111.
História da Medicina
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nise da silveira: uma
vida transformada em luta,
cultura e arte
POR ingrid guedes - 6ºP | pedro braz - 4º p
“Para navegar contra a corrente são necessárias condições raras: espírito de aventura,
coragem, perseverança e paixão.”
Nise da Silveira
Exímio nome da psiquiatria brasileira, Nise da Silveira (1905-1999) foi uma grande
representante da corrente junguiana* no Brasil e pioneira na terapia ocupacional. Alagoana, formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia (1921-1926), sendo a única mulher
em uma turma de 157 alunos.
Após a morte prematura do pai, mudou-se para o Rio deJaneiro (1927), iniciando sua
carreira profissional. Casou-se com o médico sanitarista Mario Magalhães, e em 1933
ingressou no serviço público, trabalhando no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental.
Engajada no ideal marxista e atuante na União Feminina do Brasil, foi perseguida e
presa por 15 meses (1934-1936) pela ditadura getulista, no presídio Frei Caneca, lugar
em que conheceu Graciliano Ramos. O escritor a descreve em “Memórias do Cárcere”
(um livro de memórias de Graciliano Ramos, publicado postumamente em dois volumes – 1953): “... lamentei ver a minha conterrânea fora do mundo, longe da profissão, do hospital, dos seus queridos loucos. Sabia-se culta e boa. Rachel de Queiroz
me afirmara a grandeza moral daquela pessoinha tímida, sempre a esquivar-se, a reduzir-se,
como a escusar-se a tomar espaço...”.
Após um período de semiclandestinidade devido ao risco de ser novamente presa, em 1944
foi reintegrada ao serviço público, prestando serviço ao Hospital Pedro II, no subúrbio do
Rio de Janeiro. Devido a sua postura crítica e humanista, sempre foi contrária à metodologia
da época para o tratamento psiquiátrico (lobotomia, coma insulínico e o eletrochoque), considerando as técnicas perversas, agressivas e semelhantes à tortura empregada durante o
Estado Novo. Desse modo, optava por métodos psicológicos e terapêuticos de tratamento,
criando ainda o setor de ateliê, pintura e escultura que posteriormente originou o Museu de
Imagem do Inconsciente.
Em 1956, Nise e um grupo de amigos decidem fundar a Casa das Palmeiras, com
o objetivo de construir um ambiente livre e acolhedor que serviu de ponte entre o hospital e
a sociedade, possibilitando, assim, o estímulo ao paciente por meio de atividades lúdicas
individuais e em grupo. A instituição atua, há 60 anos, na tentativa de evitar internações e
reinternações hospitalares.
Em outubro de 1999, aos 94 anos, morre Nise da Silveira devido a complicações
respiratórias, deixando um enorme legado na psiquiatria nacional. A ilustre médica alagoana, além de revolucionar o tratamento das enfermidades psiquiátricas, é um modelo a ser seguido de perseverança e de paixão na luta pelos direitos da mulher
na sociedade.
*Carl Gustav Jung - Psiquiatra suíço fundador da psiquiatria analítica.
NeuroGenesis ● Abril 2016
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História da Medicina
Conversamos com Flávio Soares, professor da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas e da Universidade
Federal de Alagoas, graduado em Medicina (FCM – UPE), Mestrado e Residência Médica em Psiquiatria (UFPE), Doutorado e
Pós-doutorado em Antropologia (EBAF - Paris, França / Jerusalém, Israel), e coordenador do Projeto Arte e Psiquiatria Nise da
Silveira
NeuroGenesis: Qual a contribuição de Nise para a psiquiatria?
Flávio Soares: O trabalho de Nise extrapolou as fronteiras do país. Não só inspirou a reforma da psiquiatria brasileira. Ela é
reconhecida no mundo inteiro. Foi um dos pioneiros no movimento de reforma psiquiátrica, defendendo a solidariedade, o afeto,
o amor, o respeita à vida, à natureza e a igualdade entre os seres humanos, independentes de ideologia, crença ou religião.
Acreditava no exercício artístico como instrumento capaz de resgatar significativas imagens inconscientes, peças fundamentais
ao terapeuta na análise sensorial/cognitiva do paciente.
Ela inspirou profissionais de saúde mental que protagonizaram a importante reforma italiana e o início da luta antimanicomial. Além disso, a expressão artística do paciente no processo terapêutico passou a ser devidamente valorizado como
mais uma importante ferramenta. Realizou uma obra que tem sua marca. Há um só trabalho: “a vida e a obra, a obra e a vida”.
NG: O que motivou a criação do Instituto Arte & Psiquiatria Nise da Silveira? Qual o objetivo do Instituto?
FS: Infelizmente, em Maceió a casa onde Nise nasceu foi transformada em sede do PROCON. Chega a ser inacreditável que
enquanto no Rio de Janeiro existe um museu (Imagens do Inconsciente) com o nome da alagoana, na cidade onde nasceu sua
casa primava não seja utilizada como local de reverência ao seu notável trabalho.
Assim, a homenagem à alagoana Nise da Silveira para dar nome ao Instituto Arte e Psiquiatria está relacionada à essência
intimistas dessa mulher e aos objetivos do nosso trabalho em parceria com duas universidades europeias.
Objetivos:
• Adquirir e/ou exercitar a capacidade de ter um “segundo olhar” sobre todas as coisas;
• Apreciar e exercitar nossa capacidade crítica sobre diversas formas de expressões artísticas: música, literatura, artes plásticas,
artes cênicas e audiovisuais;
• Elaborar trabalhos artísticos e/ou científicos para exposição, publicações e/ou apresentações nos mais diversos eventos;
• Estimular a comunidade acadêmica da UFAL e da UNCISAL na participação e elaboração de produção científica e artísticocultural.
MUSEU DE IMAGENS DO INCONSCIENTE
O Museu da Imagem do Inconsciente fica localizado
no Rio de Janeiro e a entrada é gratuita, vale a
pena uma visita!
NeuroGenesis ● Edição 02
Em 1946, Nise resolveu criar um setor de ateliê de pintura e
escultura, dando assim maior visibilidade ao processo de cura que
pretendia encontrar com a utilização de atividades expressivas.
Após três meses de funcionamento, já havia material suficiente
para que se realizasse uma primeira exposição. No mesmo ano
foi inaugurada então a primeira mostra de imagens do Centro
Psiquiátrico Nacional. Já em 1949, é realizada a segunda grande
amostra de artes, recebendo a visita de Leon Degand, crítico de
arte e então diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo
que, impressionado pela qualidade artística de muitos trabalhos,
propôs ao Centro Psiquiátrico que se expusesse os trabalhos
produzidos em São Paulo no Museu de Arte Moderna. À medida
que aumentava o número de divulgações dos trabalhos da
seção, a ideia do museu foi se concretizando cada vez mais.
Finalmente, em 20 de maio do ano de 1952 é inaugurado o
Museu de Imagens do Inconsciente, apresentando na ocasião
uma pequena mostra de obras de diversos internos.
História da Medicina
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Livro: Imagens do Inconsciente
Este livro é o resultado de uma longa
experiência
vivida
em
um
hospital
psiquiátrico. A autora, através de observação
do exercício livre de atividades diversas numa
seção de terapêutica ocupacional, chegou
empiricamente à confirmação do conceito
minoritário de que o mundo interno do
esquizofrênico encerra insuspeitas riquezas
e as conserva mesmo depois de muitos
anos de doença. As atividades da pintura e
da modelagem, principalmente, tornavam
menos difícil o acesso aos conteúdos do
inconsciente, permitindo que o processo
psicótico, por assim dizer, se tornasse visível
no seu desdobramento.
Nise - O Coração da Loucura
Documentário: Imagens do
Inconsciente
Imagens do Inconsciente, de Leon
Hirszman em cooperação com Nise da
Silveira, produzido entre 1983 e 1985,
composto de três partes (Em Busca
do Espaço, Cotidiano, No Reino das
Mães e A Barca do Sol) conectadas
entre si. O documentário é baseado
em um livro homônimo da autora.
NeuroGenesis ● Abril 2016
Dia 21 de abril, chega aos cinemas brasileiros o filme
‘Nise – O coração da Loucura’, trazendo Gloria Pires
como protagonista sob a direção de Roberto Berliner.
O longa foi filmado durante dois meses no Instituto
Nise da Silveira, no Engenho de Dentro, onde ficava
o Hospital Psiquiátrico Pedro II. A película retrata
o retorno de Nise ao trabalho após sair da prisão,
abordando sua proposta de uma nova forma de
tratamento dos pacientes que sofrem da esquizofrenia,
eliminando o eletrochoque e a lobotomia. Mostra que
seus colegas de trabalho discordam do seu meio
de tratamento e a isolam, restando a ela assumir o
abandonado Setor de Terapia Ocupacional, onde dá
início a uma nova forma de lidar com os pacientes,
através do amor e da arte.
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Pesquisa
POR cleide araújo - 5 º p | at t i e dalboni - 4ºp | thaís pithan - 4ºp
Célia Pedrosa, médica graduada pela Universidade
Federal de Alagoas, com Especialização, Mestrado
e Doutorado em Medicina Tropical, os dois últimos,
pela Universidade Federal de Pernambuco.
Professora Associada IV da Universidade Federal de
Alagoas, atua principalmente nos seguintes temas:
Leishmaniose Visceral, AIDS, Filariose Linfática e
Educação Médica.
pesquisa valida técnica para
diagnóstico da Leishmaniose
Visceral Americana
NeuroGenesis: Dra Célia, como surgiu a ideia de
realizar uma pesquisa para validar a técnica de
PCR no diagnóstico de LVA?
Célia Maria: Publicações científicas já mostravam
que esse método de diagnóstico apresenta elevada
sensibilidade, além de poder ser usado com sangue periférico. Por isso, comparamos a PCR em
sangue aspirado de medula óssea e no sangue
periférico, pensando em um futuro próximo, abolir
o diagnóstico parasitológico pelo aspirado medular.
NG: O campo de pesquisa foi o Hospital Escola
Dr. Hélvio Auto, referência em doenças infectocontagiosas em Alagoas. Quais foram os pesquisadores envolvidos e quanto tempo levou
para concluir o estudo?
“Publicações científicas já mostravam que esse método de diagnóstico
apresentava elevada sensibilidade”
CM: Foi um trabalho desenvolvido para elaboração
da minha tese de doutorado, muitos foram os envolvidos, como o coordenador do doutorado Prof.
Ricardo Ximenes (UFPE), Profa. Eliana Maria Maurício da Rocha (UFAL), que cedeu o laboratório de
Biologia Molecular do Departamento de Patologia
do Centro de Ciências Biológicas da UFAL, Prof.
Wendel Almeida. Além dos doutores Gilberto Fontes, Eduardo Ramalho, Celina Lacet, Daniel Gitaí.
Meus colegas do Hospital Hélvio Auto, Dra. Marione Cortez que pacientemente leu inúmeras vezes
meus escritos. Sem todas essas pessoas e sem a
ajuda financeira da FAPEAL/CAPES esse projeto
não teria sido realizado.
NG: O que o grupo esperava encontrar com a
pesquisa?
CM: Esperava substituir o diagnóstico etiológico da
NeuroGenesis ● Edição 02
Pesquisa
doença que utiliza o aspirado medular pela PCR
utilizando sangue periférico.
NG: Quais critérios foram utilizados para escolha dos pacientes participantes da pesquisa?
CM: A amostra foi composta por pacientes febris
que apresentassem hepatoesplenomegalia e que
concordassem em participar, assinando o TCLE.
NG: Que vantagens este método apresenta frente a outros recursos diagnósticos já utilizados?
CM: A PCR é um método altamente sensível, facilmente detecta o DNA do parasita no sangue periférico de doentes e sadios que vivem em região
endêmica. Enquanto o método parasitológico só
detecta o parasita em doentes.
NG: Qual a importância da validação do teste no
contexto da pesquisa?
CM: Temos um ótimo método para estudos epidemiológicos. A vantagem da PCR é ser muito boa
quando usamos sangue periférico aliado ao quadro
clínico do paciente. Aqui se reafirma o antigo e atual aforismo “a clínica é soberana”.
NG: Acredita que os resultados encontrados
corresponderam às expectativas do grupo?
CM: Acredito que sim e ao término da pesquisa
concluímos que não é possível abolir o aspirado
medular do diagnóstico da doença, considerando
que a PCR em área endêmica é positiva em doentes e em infectados sem a doença.
“ A população poderá se beneficiar caso o
teste seja oferecido pelo laboratório de
saúde pública, uma vez que este possibilitaria o diagnóstico precoce da infecção.”
NG: Quais dificuldades foram encontradas no
decorrer da pesquisa?
CM: Várias dificuldades, entre elas a falta de disponibilidade de técnico para executar o trabalho no laboratório e descobrir a razão de alguns resultados
serem conflitantes.
NG: Por Alagoas ser uma região endêmica para
LVA, como a população pode se beneficiar deste teste?
CM: A população poderá se beneficiar caso o teste seja oferecido pelo laboratório de saúde pública,
uma vez que este possibilitaria o diagnóstico precoce da infecção.
NG: Quais os conselhos que a senhora daria
para quem quer seguir a área de pesquisa?
CM: A coisa mais importante é gostar do que faz.
Se você não gosta de fazer pesquisa, nem comece.
Como tudo na vida, você tem que estar apaixonado. Acho que para mim isso é a coisa mais importante, ter paixão naquilo que faz.
NG: Gostaria de deixar uma mensagem final
para nossos leitores?
CM: Qualquer coisa que fizer: Faça bem feito!
“Criada em 1983, a PCR é uma
das técnicas mais comuns
utilizadas em laboratórios de
pesquisas médicas e biológicas
para diversas tarefas, como
o sequenciamento de genes
e
diagnóstico de
doenças
hereditárias, identificação de
“impressão digital” genética
(usado em testes de paterninade e
na medicina forense), diagnóstico
de doenças infecciosas e criação
de organismos transgênicos.”
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Pesquisa
doenças
negligenciadas: por quem?
POR cleide araújo - 5 º p | at t i e dalboni - 4ºp | thaís pithan - 4ºp
Os grupos de pesquisa têm
por função produzir e disseminar conhecimento em uma Universidade
por meio do intercâmbio de experiências entre professores e alunos, os
quais, juntos, desenvolvem projetos
de pesquisa. A criação destes gera a
oportunidade de iniciar cientificamente os acadêmicos, trabalhando para
seu desenvolvimento como estudante
pesquisador. Assim, nesta edição da
NeuroGenesis, inicia-se a exposição
de tais grupos existentes na FAMED.
Nosso objetivo é revelar a ciência realizada em nossa faculdade, destacando a representação e importância
dos projetos de pesquisa na produção
de conhecimento para a comunidade
cientifica.
O Grupo de Estudo em Doenças Infecciosas e Parasitárias, do
qual faz parte a Prof. Dra. Célia Maria
Pedrosa, originou-se na FAMED com
a função de aprofundar e dar visibilidade a esta área, tendo como base
as doenças endêmicas no Estado de
Alagoas - que tanto são importantes
para a população quanto negligenciadas pela comunidade médica. Desenvolvem trabalhos sobre patologias
como Meningite, Leishmaniose Visceral, Tuberculose, Criptococose, Dengue, entre outras.
Dentre essas doenças, a que
mais recebe destaque é a Leishma-
NeuroGenesis ● Edição 02
niose Visceral, uma doença sistêmica causada por parasito do gênero
Leishmania. Ela não se transmite de
uma pessoa à outra, mas através da
picada do mosquito fêmea infectado.
Os principais sintomas são fraqueza,
perda do apetite, anemia, aumento
do baço e sangramentos na boca e
intestino. Sintomas que são facilmen-
“A negligência se dá
em todos os âmbitos
da saúde, não apenas
no campo médico.”
te confundidos com outras doenças
quando não se tem uma visão geral
do meio em que o paciente vive, além
do tempo necessário para se fazer
uma boa anamnese.
A necessidade de aprofundar os estudos nessa patologia ocorre pela gravidade da doença quando
diagnosticada tardiamente. Ou seja,
uma doença que seria tratada com
relativa facilidade não é considerada
como hipótese diagnóstica mesmo em
regiões endêmicas. “Os médicos não
estão fazendo uma história da doença
atual detalhada, escutando o paciente, fazendo exame físico e raciocinando para chegar ao diagnóstico”, explica a Dra. Célia. No grupo de estudo
são desenvolvidas pesquisas que focam tanto a epidemiologia, quanto a
evolução das doenças em diferentes
pacientes, inclusive os imunocomprometidos: “avaliamos o desenvolvimento da Leishmaniose em pacientes
portadores do vírus HIV, analisando o
comprometimento gerado pelas duas
doenças concomitantemente”.
A negligência se dá em todos
os âmbitos da saúde, não apenas no
campo médico. A indústria farmacêutica não tem interesse em investir na
produção de novos medicamentos,
pois, segundo Dra. Célia, “não se tem
lucro quando comparado a doenças
como hipertensão e diabetes”. O tratamento inicial surgiu em 1912 com
um antimonial trivalente extremamente tóxico. Após a segunda grande
guerra, desenvolveu-se o antimonial
pentavalente, e é essa droga produzida há mais de 60 anos que é primeira
escolha farmacológica atual. Enquan-
“uma doença que
seria tratada com
relativa facilidade
não é considerada
como hipótese diagnóstica mesmo em
regiões endêmicas.”
Pesquisa
to isso, a AIDS, que ganhou destaque na década
de 80, sofreu uma revolução medicamentosa que
proporcionou um grande aumento da qualidade
de vida dos pacientes portadores do vírus.
Desde o século XX até os dias de atuais,
ainda persiste a negligência às doenças infecto
-parasitárias. Mesmo com o elevado desenvolvimento técnico-científico que possuímos hoje, elas
continuam fazendo parte do “Top 10” na lista das
doenças com grande índice de letalidade. Quando
se avalia a população de baixa renda, percebese que tais patologias são as principais causas de
adoecimento em países em desenvolvimento, segundo dados fornecidos pela OMS.
Nesse ponto, surge a importância dos
grupos que desenvolvem pesquisas na área. As
doenças infecciosas possuem alta complexidade
em virtude das adaptações sofridas tanto pelos micro-organismos, quanto pelo homem e o meio em
que vivem. Essas modificações exigem a busca
contínua pelo conhecimento e o aprofundamento
dos dados já conquistados. Para isso, é essencial
a participação de todos os âmbitos da saúde. A
epidemiologia entra como um agente fundamental para a quantificação e identificação das áreas
de risco bem como a população suscetível a tais
patologias. O médico exerce um papel central no
diagnóstico, com base em conhecimento científico, pesquisa e experiência. O olhar para o paciente exige aplicação de empatia e a capacidade da
escuta. Assim, a visibilidade ao tema se retrata na
visibilidade ao paciente.
Dessa maneira, Dra. Célia ressalta a importância de um maior engajamento, desde a graduação, ao estudo e à pesquisa sobre as doenças
negligenciadas. Segundo ela, “o grupo de estudo
é aberto aqueles que se interessarem pelo tema.
O único pré-requisito envolve a necessidade dos
alunos possuírem conhecimento nas disciplinas
de parasitologia e microbiologia, pagas durante o
4° período”.
Assim, tendo em vista os esforços de determinados grupos em desenvolver estudos na
área, além da importância para pacientes que convivem diariamente com essa problemática, perguntamos: doenças negligenciadas, por quem?
Doenças negligenciadas no mundo
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Pesquisa
estudante
pesquisador
P O R C a m i l a H a n s e n , P r i s c i l a G u e d e s e Ya s m i n C a r d o s o - 4 º P
Fazemos parte de uma pesquisa que tem como foco a Asma,
uma conhecida doença inflamatória
crônica que leva a crises recorrentes
de broncoespasmo - deixando o paciente com a expressão característica
de angústia e falta de ar -, gerando
uma consequente limitação do fluxo
aéreo. Assim como outras doenças
crônicas, a asma está associada a
importantes determinantes da qualidade de vida do indivíduo, havendo
influência de seu contexto familiar e
social. No caso de crianças e adolescentes, podemos perceber que o
cuidado da asma está relacionado
com a saúde materna, além das condições socioeconômicas do paciente.
Tendo a intenção de mensurar
a influência que esses fatores têm na
saúde dessas crianças e adolescentes, as professoras e pediatras Auxiliadora Damianne e Mércia Lamenha
desenvolvem as pesquisas no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes e na Clínica Infantil Daisy Breda,
ambos em Maceió-AL. Para recrutar
mães e crianças, nós estudantes utilizamos do espaço do ambulatório
de pneumologia pediátrica na espera das consultas, conversando com
as mães para procurar saber tanto
sobre aspectos pessoais quanto às
condições socioeconômicas nas quais
elas vivem. A amostra inclui crianças
que tenham mais de 18 meses e adolescentes menores de 15 anos em
companhia da mãe ou avó cuidadora.
NeuroGenesis ● Edição 02
Participar de uma pesquisa clínica por meio da aplicação de questionários
aproxima o estudante da prática médica, já que precisamos nos comunicar com os
pacientes da maneira correta para que possamos conseguir as respostas adequadamente. Enxergamos essa habilidade adquirida aos poucos na pesquisa como
fundamental para que possamos ser médicos capazes de manter uma relação médico-paciente de qualidade, ouvindo e interpretando o que o paciente tem a nos dizer.
São avaliadas três variáveis através de questionários:
Controle da asma
Nível de suporte social
Classificação econômica
Para essa avaliação é
utilizado o Questionário
para
avaliação
do
controle
de
asma,
preconizado pela Global
Initiative for Asthma,
que discrimina pacientes
em
controlados,
parcialmente controlados
e não controlados.
Aferido
através
do
Medical
Outcomes
Study
Questions
–
Social Support Survey.
Esse instrumento define
três
dimensões
de
percepção de suporte
social: suporte afetivo e
interação social positiva;
Suporte emocional e
informacional; e suporte
material.
Utiliza-se o Critério de
Classificação Econômica
Brasil (CCEB) (ABEP,
2015).
Apesar disso, também há dificuldades. Ser um estudante pesquisador exige
tempo e as vezes nos deparamos com pouca disponibilidade para realizarmos as
pesquisas no ambulatório. Mas, para isso, contamos com um total de seis estudantes de diversos períodos, o que facilita a realização de revezamento para as coletas.
A pesquisa proporciona a oportunidade de aprender mais sobre método científico em si, aplicando os conhecimentos obtidos desde o início do curso, além de incentivar a busca por novos conhecimentos, nos tornando assim estudantes mais críticos.
“Ser um estudante pesquisador exige
tempo e as vezes nos deparamos
com pouca disponibilidade para
realizarmos as pesquisas no
ambulatório. ”
Caso Clínico
dissecandoo coração
P OR C l e i d e A r a ú j o - 5ºP | Da lm o Sa n ta n a - 11ºP +
R i c ar d o Cé s a r e Da nie la M a rt in s - ca rd iolog i stas
Identificação: Paciente I.M.M.D.; sexo feminino; 57
anos; 1,57m; 77kg; residente em Maceió-AL.
Queixa principal: “Dor no peito e nas costas”.
HDA: Paciente admitida em agosto de 2013, transferida
de outro hospital, com queixa de angina instável com irradiação para o dorso, com início há 6 horas, pós Infarto
Agudo do Miocárdio (IAM) de parede inferior.
Radiografia de tórax: Apresenta transparência e vascularizações normais. Ausência de reação pleural. Coração e vasos da base com dimensões dentro da normalidade.
Antecedentes pessoais: Referia Hipertensão Arterial
Sistêmica (HAS), dislipidemia, hipotireoidismo e IAM
inferior há 6 dias. Relatou histerectomia, cesariana e cirurgia de varizes em membro inferior esquerdo. Negou
diabetes e alergias.
Exame físico: Ao exame físico encontrava-se orientada, eupneica, anictérica, afebril. ACV: Ritmo cardíaco
regular em dois tempos (RCR em 2T), bulhas normofonéticas (BNF), sem sopros audíveis (SS). FC: 91bpm,
PA: 130/80mmHg. AR: Murmúrio vesicular presente
(MV+) em ambos hemitórax (AHT) com FR de 20ipm.
Apresentava pulsos de MMSS e MMII simétricos.
Exames complementares: Hemograma e coagulograma sem alterações. Glicemia capilar: 120mg/dl.
Marcadores de necrose miocárdica: CPK total 196 U/L
(00:47min) e 507 U/L (07:20min). CK-MB 29 U/L (00:47)
e 84 U/L (07:20).
Eletrocardiograma: Presença de Ritmo Sinusal (RS), FC 57 bpm, Bloqueio AV de
1º grau, intervalo QT prolongado e isquemia ântero-lateral.
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Caso Clínico
20
Cateterismo Cardíaco: Presença de um flap da íntima,
e longo trecho de dissecção com falha de enchimento,
compatível com hematoma intramural, no terço médio
da coronária direita com fluxo distal TIMI II, sem evidência de doença coronariana nos demais vasos. Ventriculografia com função sistólica preservada e hipocinesia
inferobasal
anti-HAS oral e posteriormente acréscimo de Anlodipino. Enzimas CPK total: 450; CK-MB: 81.
Ao 3º dia, ECG apresentava RS, inativação elétrica em parede inferior + isquemia subepicárdica em
parede ântero-lateral.
Ao 4º dia apresentava RS, inativação elétrica
em parede inferior + supradesnivelamento de ST em
paredes inferior e anterior extensa e à AR: leves estertores crepitantes bibasais. Iniciado Tridil com redução da
PA: 120/80mmHg e alta para apartamento, onde evoluiu
com epigastralgia e PA: 160/100.
Diagnósticos:
Sindrômico: Síndrome Coronariana Aguda.
Nosológico: Infarto Agudo do Miocárdio.
Etiológico: Dissecção Espontânea Coronariana.
Conduta: O tratamento inicial consistiu em Tridil 50mg;
Rivotril 05 gotas VO; Atenol 50mg VO; Dimorf 10mg, 01
comp. ACM; Plamet 01 comp.; Pantozol 40mg; Atorvastatina 10mg, VO, à noite; e Clopidogrel 75mg, 04 comp.
Realizado ecocardiograma que evidenciou alteração de contratilidade segmentar do VE com função sistólica global preservada e insuficiência mitral discreta.
Evolução: Paciente internada na UTI, inicialmente com
leve desconforto precordial e PA: 105/60mmHg; ao
ECG: RS, BAV 1º grau, ARV ínfero-lateral e V4 (isquêmica). A conduta foi acompanhamento de curva enzimática, heparinização com Clexane e aumento do intervalo
H.V.
Paciente retorna à UTI. Realizado cateterismo
cardíaco evidenciando dissecção espontânea no 1/3
médio distal da artéria descendente anterior e hematoma de parede. Suspendeu-se Clexane e anti-agregantes plaquetários por 3 dias. Paciente evoluiu sem queixas de precordialgia. Alta hospitalar no 12º dia com PA:
120/80mmHg e retorno para estudo hemodinâmico em
30 dias.
Ao 2º dia, PA: 160/80mmHg, realizado ajuste de
Discussão
Considera-se dissecção espontânea coronariana (DEC) aquela que não é secundária à doença aterosclerótica,
dissecção aórtica ou trauma intravascular. É uma entidade rara, com maior incidência em jovens do sexo feminino, cuja
etiologia permanece pouco conhecida, mas que se acredita estar relacionada a uma reação inflamatória na camada
média dos vasos, principalmente iniciada por autoanticorpos produzidos durante a gravidez ou nas semanas após o parto.
A artéria descendente anterior é o vaso mais acometido e a dissecção em múltiplos vasos ocorre em 20% dos casos.
DEC permanece como causa rara de síndrome coronariana aguda, morte súbita e infarto agudo do miocárdio,
potencialmente fatal. Dada sua raridade, a etiologia, bem como, o tratamento da DEC são incertos. No presente caso,
o ecocardiograma evidenciou a presença do hematoma de parede, corroborando com estudos que propõem que o
surgimento de hematoma intramural a partir do vasa vasorum, seja um mecanismo mais prevalente que o surgimento de
flap na camada íntima no mecanismo da DEC.
Não existem diretrizes para o tratamento da DEC e a literatura refere que a terapia medicamentosa pode
variar conforme apresentação clínica, considerando-se a persistência ou alívio dos sintomas de isquemia, o estado
hemodinâmico, anatomia coronária e a extensão de dissecção. Nitratos e bloqueadores dos canais de cálcio podem
reduzir o espasmo local e a progressão da dissecção; betabloqueadores visam minimizar as forças hemodinâmicas;
os antiplaquetários podem prevenir a formação de trombos intramurais; fibrinolíticos tem uso controverso, pois podem
favorecer a progressão da dissecção por meio da expansão do hematoma. Percebe-se que a conduta adotada corrobora
com os achados da literatura, destacando-se a necessidade de uma terapêutica individualizada a cada paciente.
Referências:
ANDRADE, H. et al. Infarto Agudo do Miocárdio como apresentação de Dissecção Espontânea Coronariana. Rev. Bras. Cardiol. v. 23, n. 2, p. 251-254,
2010.
BARBOSA, R. R. et al. Infarto Agudo do Miocárdio por Dissecção Espontânea de Artérias Coronárias – série de cinco casos. Rev. Bras. Cardiol. Invasiva. v. 21, n. 2, p. 193-198 2013.
MANHAES, E. B. et al. Dissecção Espontânea de Artéria Coronária: abordagem terapêutica e desfechos de uma série consecutiva de casos. Rev.
Bras. Cardiol. Invasiva. V. 22, n. 1, p. 32-35, 2014.
NeuroGenesis ● Edição 02
Extensão
o amor é
contagioso
POR Bruna freitas e luis henrique lemos - 4ºP
“Comprimidos aliviam a dor, mas só o amor alivia o sofrimento.”
Patch Adams - O amor é contagioso.
Falar sobre o Sorriso de Plantão nos pareceu
uma tarefa fácil, inicialmente, visto que bastavam umas
palavrinhas acerca do projeto e algumas fotos no final
da página. Então estava tudo certo, fomos seguindo o
roteiro. O Sorriso é um projeto de extensão universitária
da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em parceria com a Pró-reitoria de Extensão da Universidade
Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL).
Trata-se de um trabalho voluntário, cuja missão é levar
a ludoterapia para dentro do ambiente hospitalar - um
lugar hostil e triste, mas que se transforma, todos os
sábados, com a presença do nariz vermelho e da alegria trazida pelos palhaços doutores aos hospitais de
atuação do projeto: o Hospital Universitário Professor
Alberto Antunes (HUPAA/UFAL), o Hospital Santa Casa
de Misericórdia de Maceió – Unidade Farol, o Hospital
Geral do Estado (HGE-AL), a Clínica Infantil Dr. Daisy
Brêda e o Hospital Escola Dr. Hélvio Auto (HEHA/HDT).
Mas, e a importância do projeto? Foi refletindo
sobre como responder a essa pergunta que entendemos por que não era tão fácil assim... Porque palavras
não bastam para ‘falar’ do Sorriso, é preciso viver essa
experiência incrível que é ser palhaço doutor para compreender a real importância do projeto. É preciso sentir aquele turbilhão de emoções que nos preenchem a
cada plantão, como medo de não saber o que fazer, ansiedade para conhecer e brincar com todas as crianças,
alegria ao conquistar cada sorriso, renovação e realização pessoal ao sair diferente de cada plantão e o amor
pelo outro e pelo que se faz, isso é o mais importante.
O Sorriso é Amor. É o amor que alivia o sofrimento, que
faz com que aquelas crianças (e até adultos) ali internadas esqueçam a doença e a saudade de casa, mesmo
que por algumas horas, e nos deem o melhor pagamento que poderíamos receber, um sorriso sincero e a sensação de dever cumprido.
O curioso é que essa dificuldade para definir o
que é o projeto advém da experiência com o mesmo, de
maneira que os integrantes atravessam uma experiên-
NeuroGenesis ● Abril 2016
cia tão marcante e especial que, após 1 ano de Sorriso
de Plantão, não conseguem mais dizer precisamente
aquilo por que passaram. Uns chamam de amor, outros
denominam um “sopro de vida” ou ainda um sentimento
que não pode parar. Independentemente do modo como
seja chamado, é evidente que o Sorriso de Plantão é
não somente um projeto de extensão universitária, mas
sim um projeto de solidariedade e engrandecimento (e
agradecimento) pessoal, bem como uma extensão da
capacidade de colocar-se no lugar do outro e quebrar
este mar de indiferença e individualismo ao qual somos
submetidos diariamente.
21
22
Extensão
enxergando o
m u n d o com outros olhos
POR jessyca leite e lucas fernandes - 3ºP
O projeto de extensão Saúde na Escola: Parceria Universidade
e Comunidade (SEPUC), vinculado a
FAMED/UFAL, sob Coordenação da
Profª Josineide F. Sampaio, tem como
objetivo a realização, regular e continuada, de ações de prevenção e promoção à saúde, contribuindo para o desenvolvimento e melhoria da saúde de
crianças, alunos da Escola Municipal
Professor Petrônio Viana, localizada no
conjunto Carminha - Benedito Bentes.
Ele integra a abordagem médica aos
cuidados nutricionais, de saúde bucal
e psicossociais, dentro de perspectiva interdisciplinar e multiprofissional.
providenciado o transporte dos escolares nas datas propostas pelos médicos
residentes e realizada reunião com os
pais e responsáveis para comunicar e
solicitar a autorização e documentação.
Nos dias 04, 18 e 25 de fevereiro deste ano, cinquenta e cinco estudantes do
ensino fundamental foram encaminhados ao Ambulatório de Oftalmologia do
HUPAA para realização de avaliação
com médicas residentes. Para a maioria das crianças aquela foi a primeira
consulta oftalmológica de suas vidas.
Busca-se
assim,
contribuir
para melhoria dos níveis de saúde dos
escolares, através das ações promovidas e proporcionar aos acadêmicos
uma experiência que contribua para
uma formação profissional comprometida com a transformação social.
Para participar do planejamento
e realização de ações, como esta, basta ser integrante do projeto SEPUC, que
engloba estudantes dos cursos de medicina, enfermagem, odontologia, educação física, psicologia, serviço social
e pedagogia de qualquer universidade.
Seja
Como segmento deste projeto
foi desenvolvida a ação Saúde Ocular
dos Escolares. Cuja importância evidencia-se no fato de que a saúde ocular e o
acesso aos cuidados e assistência oftalmológica são indispensáveis para a inserção e desenvolvimento adequado dos
escolares no processo de aprendizagem.
A ação foi realizada a partir das
avaliações executadas pelos acadêmicos em novembro de 2015, como o teste
de acuidade visual, identificando-se demandas de saúde. Em destaque, observou-se a necessidade de acompanhamento da saúde ocular dos escolares
por serviço especializado. Os acadêmicos e a coordenação do projeto firmaram
parceria com o Ambulatório de Oftalmologia do Hospital Universitário Professor
Alberto Antunes - HUPAA para realização das avaliações oftalmológicas. Foi
NeuroGenesis ● Edição 02
colaborador
do
SEPUC.
“Faça sua parte, seja amigo da saúde da criança. Ajude-a a enxergar o mundo com outros olhos.”
O transporte das crianças foi
efetuado pela UFAL e a armação dos
óculos para aqueles que foi indicado
o uso, foram doados pelos residentes do HU, provenientes de uma ótica
que encerrou sua atividade comercial. As lentes serão doadas por professores e técnicos da FAMED/UFAL.
Em continuidade serão desenvolvidas atividades de educação em
saúde junto aos escolares e familiares, no ambiente escolar e domiciliar,
para promover os cuidados adequados à saúde ocular e uso dos óculos.
23
Fala aí, Sebastião!
O internato na
do
o
ã
ç
u
con str
médico
POR ednis oliveira - 10ºP
Nesta edição resolvemos fazer um texto para trazer algumas reflexões sobre um período muito importante
para a construção do médico, o Internato. Qualquer dúvida sobre ele vocês podem dar uma conferida na nossa
seção “Rodando no internato”, lá encontrarão detalhes
a respeito da maneira como o internato está organizado e muitas outras informações. Aqui, nos limitaremos
a levantar alguns questionamentos.É no internato que
o estudante consegue sedimentar grande parte dos conhecimentos que são trabalhados nos primeiros anos de
curso. Tanto, que não é incomum ouvirmos as frases “É
quando vocês aprendem a ser médicos” ou “É onde se
tornarão médicos de verdade”. Nós não discordamos,
mas percebemos que afirmações como essas não se referem somente aquisição de conhecimento teórico, o que
está sendo transmitido vai muito além.
São nesses 2 anos que princípios básicos da forma de atuação do médico são fundados na mente dos
acadêmicos de medicina. É com o excesso de serviços
que precisam ser tocados, com a carga horária excessiva, com as variadas influências de nossos preceptores e
com as adversidades dos plantões em que “aprendemos
a ser médico”. Ou pelo menos a ser o médico necessário
para a forma como o trabalho está organizado em nossa
sociedade.
Esse processo faz com que práticas tidas como
rotineiras, de conteúdo “adequado” e óbvio sejam reproduzidas pelo novo profissional em formação sem que
haja uma análise aprofundada. Como consequência, os
vários valores positivos que temos como referência para
a construção do bom profissional da medicina, no internato sofrem essas determinações do mundo do trabalho
de forma muito marcante.
Podemos exemplificar os agentes dessa transformação através da demonstração de uma realidade que
exige que as queixas dos pacientes e as propostas de
solução (condutas) sejam tratadas de maneira focal, que
as perguntas devem sempre ser direcionadas, rápidas e
diretas, que o treinamento deve ser mecânico e visando
sempre a reprodução de protocolos a serem aplicados,
NeuroGenesis ● Abril 2016
além da pouca maleabilidade em relação às dificuldades e
particularidades do paciente. Essas são apenas algumas das
características dos nossos estágios ao longo do internato. Deu
pra perceber que rapidamente a construção de uma boa relação médico-paciente vai sendo deixada de lado?
Diante dessa realidade, encontramos estudantes que
afirmam que serão mais humanos, pois terão o olhar sobre
o ser humano como um todo, a famosa visão holística. Ressaltamos nossa preocupação a respeito desse discurso sobre
formação humanizada, que é utilizado nas aulas de Saúde e
Sociedade e que cujo partido é tomado por grande parte dos
estudantes. Acreditamos que ele acaba mascarando a verdadeira realidade, pois, sob sua égide, todos os problemas
encontrados no dia a dia do trabalho médico como falta de
profissionais, falta de financiamento, condições de trabalho
extenuantes, condições de infraestrutura precárias, relações
de trabalho precarizadas, falta de um plano de carreira para os
médicos, passam a ser desprezados e o indivíduo “desumano”
é culpabilizado.
Por fim, queremos deixar claro a importância de entender o currículo médico e as nuances de nossa formação
que guarda relações intrínsecas com a maneira como se
dá o funcionamento de nossa sociedade. Não podemos ser
levados nessa corrente que garante a perpetuação da realização do trabalho médico “desumanizado”. Compareça ao
centro acadêmico, lá é o local onde esse debate ganha vez
e que você contribui com suas experiências.
24
Fala aí, Sebastião!
por um prato
de comida?
POR ednis oliveira - 10ºP
Apontamos para a necessidade de mudança, a
universidade que historicamente pertenceu as grandes
oligarquias alagoanas, vem passando por uma grande
modificação em seu perfil socioeconômico. Com a introdução de percentagem maior para cotas, haverá a
necessidade de uma política de assistência estudantil
que garanta não só a permanência, mas o desenvolvimento acadêmico e intelectual desses novos estudantes na universidade. Por isso, nossas reivindicações
devem abarcar diversos pontos que vão muito além do
simples prato de comida. Abaixo segue uma lista de
apenas algumas delas:
● O aumento de bolsas de Iniciação Científica, de monitoria, de estágio, de extensão;
● Aprimoramento do auxílio moradia (alojamento);
● Criação de um sistema de transporte adequado que
circule pelo campus;
POR ednis oliveira - 10ºP
Vivemos em tempos difíceis. Nosso formato de educação permite que estudantes sejam utilizados como mão de obra
barata para tocar os serviços da universidade. Um exemplo bem
próximo são os estudantes do curso de letras, psicologia, pedagogia e filosofia que trabalham como técnicos de laboratório da
FAMED. Ocupam seu “tempo livre” que poderia ser empregado
em dedicação à pesquisa, à extensão ou ao estudo, para cuidar
de computadores como bens preciosos. Por que o fazem? A
necessidade da bolsa os obriga!
Na medicina vivemos situações semelhantes, alguns
dos serviços do Hospital Universitário, ou até do Hospital Geral
do Estado, necessitam de um braço forte para que sejam realizados com eficiência. E de quem é esse braço? Deles mesmo,
dos internos. São os internos que tocam o serviço de emergência da Área Vermelha Trauma do HGE, fazem o atendimento inicial aos traumatizados, realizam as suturas, drenam abcessos,
instrumentam nas cirurgias e ainda trabalham como auxiliar dos
cirurgiões. Recebem em troca um prato de comida, alguma medida de conhecimento e muita humilhação. A situação é ainda
pior no HU, nem o prato de comida têm direito.
Passamos por diversas negociações com a direção do
Hospital em reivindicação a esse prato que nunca antes havia
sido pago até o ano de 2012. As mobilizações foram diversas,
desde um “catracaço” no restaurante, até feijoada no hall. Como
diz a história “quem não chora não mama”. Os estudantes de
medicina não choraram, mas conquistaram o direito de pagar
meio valor através de organização e muita luta. Naquela época,
foi instituído que ao invés de pagar a totalidade, passaríamos a
pagar o valor de R$ 3,50 para almoçar. De lá pra cá esse valor
foi subindo, hoje está em R$ 7,50. Será que é um preço justo
para estudantes?
NeuroGenesis ● Edição 02
● Construção de restaurantes universitários (“bandejões”) em número suficiente ao conjunto dos discentes.
Servirão de Campo de Estágio para a Faculdade de
Nutrição;
● Atendimento médico-odontológico e apoio psicossocial aos alunos, tanto em situações de emergência
como ambulatorial a partir do HU e das Faculdades de
Odontologia, Serviço Social e Psicologia;
● Efetivação de seguro para os alunos que desenvolvem atividades curriculares que caracterizam situações de periculosidade;
● Ações de acompanhamento acadêmico;
● Articular e coordenar ações que promovam a ampliação do universo sociocultural e artístico dos estudantes, bem como sua inserção em práticas esportivas via
Faculdades de Educação Física, Informática e Letras;
● Belas Artes, Música, Comunicação etc.
Como podemos perceber, ainda é grande o
caminho que precisamos percorrer para que tenhamos
uma universidade que seja de fato “universalizante”. E
o prato de comida do almoço não é apenas uma banalidade de fácil acesso ao estudante, como alguns do
professores costumam falar. Esse prato é o retrato expresso de um modelo de educação excludente e mercantilizado.
Rodando pelo Internato
Acadêmico À
Área Vermelha!
P O R K e lv y n v i ta l - 1 2 º p
“É no internato que de repente...
nos tornamos médicos”
(Caio Nunes - Médico UFBA)
Depois da introdução geral na edição passada,
vamos agora nos aprofundar em cada um dos estágios
do internato! E não há estágio melhor para isso do que
o de “Urgências e Emergências”, o famoso “HGE” (Vamos chamá-lo assim pela facilidade de compreensão).
Amado e ao mesmo tempo odiado por grande parte dos
estudantes que já passaram por lá, o HGE é o estágio
onde o acadêmico (Sim, a-ca-dê-mi-co. Ninguém vai te
chamar de doutourando lá) sente a mudança da carga
teórica que é dada até o 4º ano, do cenário prático que
é mais evidente no internato. Saem aulas e entram plantões. Plantões estes que são de 12 horas, com escala
alternando entre 10 grupos, o que dá um frequência de
um plantão a cada 5 dias, com descanso de 12 horas
após o plantão. No fim, completamos uma carga horária de 552 horas, ao longo dos 6 meses. Os grupos são
formados livremente, e oficializados em reunião com o
coordenador do período (Atualmente, Prof. João Klinio).
Segundo o Projeto Pedagógico do Curso (PPC), o estágio tem em vista a habilitação dos alunos na abordagem
das urgências básicas e mais comuns para a formação
do médico generalista em Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia, Clínica Médica e Pediatria. E essa seria a grande
lógica do estágio: Preparar o acadêmico para as mais
diversas situações de Urgência e Emergência que nos
aguardam com CRM na mão. Infelizmente, o espectro
de atuação não é tão amplo e nos deixa restritos basicamente a Área Vermelha Trauma, com leves “passeios”
nas outras áreas, que de longe não são suficientes como
aprendizados.
O PPC nos diz que os objetivos do estágio são
de desenvolver no aluno a capacidade de reconhecer
e interpretar as principais alterações semiológicas na
emergência, capacitando-o a formular hipóteses diagnósticas, identificar níveis de gravidade, definir linhas
de investigação e propor a terapêutica mais adequada a
cada caso, sendo capaz de realizar procedimentos básicos mais comuns, indispensáveis na atuação em clínica
ampliada. Na prática é mais ou menos isso. No fim das
contas, em cada caso nós somos estimulados a fazer a
sequência “ver-examinar-diagnosticar-tratar”, o que não
NeuroGenesis ● Abril 2016
deixa de ser função do médico, principalmente numa
emergência. Mas o conceito de clínica ampliada passa
longe dali. Integração da equipe, vínculo com o usuário,
identificação de riscos ou escuta mais atenta parecem
exatamente o oposto da realidade de lá. A sensação
no estágio muitas vezes é de “estar no automático”, resolver aquele problema e fim. O vinculo com o paciente chega a ser tão pouco que todos se recusam a dar
atestado médico quando o paciente solicita, empurrando
para outros setores emitirem. Não custa lembrar que é
função do médico e obrigatória a emissão deste documento, mesmo na emergência! Mesmo com todos esses
problemas, não se pode deixar de citar que o estágio
oferece boas oportunidades de prática, principalmente
se você tiver “sorte” de estar num plantão com casos
interessantes. Desde as rotineiras apendicites, até politraumatizados, podemos colocar a mão na massa e usar
nossos conhecimentos em prol do paciente (É importante ir com boa base teórica, pois não há muito protocolos no local, então existem mil variações de condutas,
e nem todas estão certas/atualizadas. Na dúvida é bom
saber ao menos o “basicão” do ATLS/ACLS). Quem se
interessa mais, sai em busca para fazer Acessos Venosos Centrais, intubações, e outras coisas que deveriam
ser rotina, mas que devido a problemas como falta de
preceptores e estrutura desorganizada do hospital, às
vezes passam batido.
Como dito no início, ele é amado e odiado, e tem
diversas nuances que o tornam do “bem ou do mal”. De
qualquer forma, este estágio gera uma reflexão em todos
que passam por lá, seja por achar um absurdo ser “jogado numa emergência e fazer coisas sem supervisão”,
de ver histórias de vida marcantes, de conhecer médicos
maravilhosos e outros nem tanto, ou por perceber que
agora começou uma nova fase nessa caminhada e que
cada vez se sente mais pronto. Assim, é inevitável não
se sentir ansioso de vestir aquela roupa (feia) azul escura e de partir para esse novo mundo!
Depois dessa breve descrição,
fiquem com dois relatos de internos
que já passaram pelo HGE e suas
impressões.
Até a próxima edição!
25
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Rodando pelo Internato
HGE: bem vindo ao mercado de trabalho!
Um dos graves problemas que enfrentamos durante o internato é que em vários estágios apenas
“tocamos serviço” e atendemos um volume grande de pacientes em pouco tempo, em vez de atendermos
menos pacientes e discutirmos cada caso cuidadosamente. Nesse contexto, o estágio de Urgência e
Emergência, realizado no Hospital Geral do Estado, apresenta-se como o mais precário e cansativo do
nosso internato. Lá, estagiei apenas na área vermelha-trauma, situação que mudou neste semestre,
pois agora os acadêmicos também estagiam na área vermelha-clínica. Há duas justificativas principais
para a precariedade do estágio. Primeiramente, há ausência total de preceptoria. Aprendemos a
suturar e a instrumentar com outros acadêmicos ou sozinhos. Nenhum dos cirurgiões estará do seu
lado ensinando as técnicas ou dando segurança para você fazer pelo menos a sua primeira sutura.
Em segundo lugar, há uma preponderância do nosso estágio na emergência cirúrgica. Fazemos o
primeiro atendimento ao paciente vítima de trauma, todas as suturas, e os papéis de instrumentador
e auxiliar cirúrgicos. Cumprimos, assim, papel imprescindível para o funcionamento do hospital. Sem
os acadêmicos, o HGE para ou, no mínimo, o caos corriqueiro aumenta consideravelmente, pois os
médicos são poucos – e grande parte trabalha pouco – e instrumentadores não existem. Somos a mão
de obra gratuita do serviço. Mesmo agora, com o rodízio dos acadêmicos na vermelha-clínica, o contato
com as urgências clínicas é pobre. Nessa área do HGE, vemos afecções como Edema agudo, parada,
choque - que são muito importantes e devemos sair da graduação sabendo. Contudo, o que ocorre
mais frequentemente em um plantão médico são urgências como nefrolitíase, enxaquecas, início de
crise convulsiva, dor abdominal, vômitos frequentes - casos vistos na área azul do HGE, por onde não
passamos. É inegável que a passagem por este hospital é um processo de ensino, e mesmo sem as
discussões e a preceptoria necessárias, aprendemos. Entretanto, isso se dá à custa de condições de
trabalho degradantes e diminuição de nossa qualidade de vida, um presságio do que enfrentaremos na
vida profissional.
Adelson Silvestre Junior – 10º Período
O internato começa aqui
Nono período. Primeiro estágio do internato e nosso primeiro contato é o setor de Trauma do Hospital
Geral do Estado. Realmente um impacto marcante na nossa formação. Basicamente nós fazemos
o primeiro atendimento do paciente politraumatizado, vítimas de agressões diversas ou das dores
abdominais que necessitam de avaliação cirúrgica e em seguida discutimos condutas com os
cirurgiões, ortopedistas e neurocirurgiões de plantão. Lá, nós temos o paciente, muitas vezes, entre a
vida e a morte e que necessita de decisões rápidas, definidoras de prognóstico. Realizamos inúmeras
(e cansativas!) suturas, aprendemos a realizar acessos venosos profundos e suas adequadas
indicações, drenagens torácicas, paracenteses, drenagem de abscessos, instrumentação cirúrgica
e auxiliamos várias cirurgias de emergência/urgência. Ufa! Em 6 meses de estágio, com uma
média de 35 plantões de 12 horas, a curva de aprendizado é enorme. Tanto na medicina “técnica”,
como no lidar com o enfermo, com a necessidade do outro. Aplicar aquela tal empatia que tanto
falamos nos primeiros períodos e, principalmente, a não emitir julgamentos (o que é muito difícil, em
algumas situações!). Entretanto, temos muitas brechas em termos de ensino. Não temos preceptores
específicos para nos ensinar e orientar. Necessitamos contar com a boa vontade dos plantonistas
para conseguirmos aprender um pouco mais do manejo desses pacientes. Além disso, não estamos
escalados no setor de Emergência Clínica, que faz parte da grade curricular desse estágio - o que
julgo uma falha grave na nossa formação. Enfim, considero um bom estágio, que nos instiga e dá
um choque de realidade ao “recém-doutorandos”. Além de aprendermos a conduzir as principais
patologias da emergência cirúrgica, conhecemos a dinâmica do hospital e entendemos a relação
com outros profissionais/colegas de profissão - o que é fundamental para o início do internato e para
nossa formação médica.
Jéssica Vila Nova – 11º período
NeuroGenesis ● Edição 02
Megafone
PELO
MUNDO
POR Bruna gomes - 4ºP | Lucas Emanuel - 5ºP e Mirna costa - 5ºP
A UFAL é repleta de diversidade e não é diferente no curso de Medicina. Pessoas de todas as partes do Brasil e
de outros países - Moçambique, Cabo Verde e Guiné Bissau são alguns exemplos. Nesta edição, a NeuroGenesis entrevistou alguns dos estudantes que vieram do berço da humanidade. Vanise Sacur, Jacira Monteiro e Benjamin
Mpomo contam um pouco sobre essa experiência e o dia-a-dia no outro lado do Atlântico.
jacira monteiro - 6º período
Cabo verde
benjamim mpomo - 9º período
camarões
NeuroGenesis: Como funciona o convênio entre
África e Brasil para o ingresso de estudantes estrangeiros na universidade?
Jacira Monteiro: É um convênio que já existe há anos
com os países da África, de língua portuguesa ou não.
Todo ano, entre os meses de fevereiro e março, eles
abrem candidatura, mas não há uma quantidade de vagas limitadas. O estudante escolhe o curso e a universidade e entra com a candidatura. A seleção ocorre de
acordo com o currículo, da nota que você teve no fim do
ensino médio. Os alunos selecionados vêm para o Brasil
entre Agosto e Setembro e as aulas começam em Fevereiro, normalmente.
Benjamim Mpomo: O programa de convênio que faço
é o PEC-G. Tem uma seleção na embaixada do próprio
país. Eles pedem pra gente escolher duas faculdades
de nossa preferência, só que, como a demanda é muito
grande para as cidades do Sul do Brasil, quando não há
vagas, mandam para outras faculdades. Foi o meu caso.
NG: Existe algum tipo de bolsa permanência ou outras formas de assistência estudantil conseguida
através do convênio?
JM: Não. Eu estou tentando conseguir. Aqui no Brasil
existe uma bolsa pra gente que se chama Promisais. É
uma ajuda de custo, mas é limitada por edital com número limitado de vagas. É necessária entrevista com servi-
NeuroGenesis ● Abril 2016
vanise sacur - 5º período
moçambique
ço social e visita aos domicílios dos candidatos. O valor
é de R$ 622. O número de vagas já foi maior, nos últimos
tempos dimuiram – o último edital ofertava apenas 19
bolsas.
Além disso, a UFAL oferece a alimentação no
RU e algumas pessoas conseguem morar na residência
universitária.
NG: Sabemos que há uma festa africana que acontece aqui em Maceió. Como ela funciona? Vocês frequentam?
JM: Todo ano no Caiite acontece a semana africana,
onde temos um estande com coisas tradicionais de nosso país. Por exemplo, palestras sobre temas africanos,
oficinas de tranças, oficinas de danças típicas. No ultimo
dia ocorre a festa africana, financiada pela organização
do Caiite e por outros patrocínios que conseguimos. Eu
já fui duas vezes, é bom e é aberta -Todos podem ir!
NG: Como vocês veem a situação em geral dos estudantes da África que estudam na UFAL?
27
Megafone
28
JM: Uma das maiores dificuldades é a diferença cultural
entre o país de origem e o Brasil. A língua também, mesmo pra nós que falamos o português, aqui é diferente,
principalmente o sotaque. Até hoje algumas coisas eu
não entendo. No primeiro período era muito difícil entender os professores e às vezes eu não conseguia acompanhar.
Também tem a questão do sistema de ensino.
Nós temos que reaprender a estudar de acordo com o
sistema e a rotina daqui. Por exemplo, vocês aqui fazem
vestibulares e o ENEM, tem que estudar muito tudo pra
poder passar naquela prova. A gente não, a gente sai do
ensino médio e logo iniciamos a universidade. Acho que
esse preparo faz falta pra gente, dificulta a adaptação.
Lá, para entrar na faculdade, é preciso ter a média que
eles pedem e o currículo é selecionado. Quem não tem
a média suficiente pode fazer novamente o último ano do
ensino médio para tentar subir a nota.
Nós seguimos o sistema de ensino de Portugal, estudamos mais a história de lá. Em termos de língua, lá aprendemos francês e inglês, diferente daqui.
NG: Qual a língua falada no seu país, além do português?
PAÍS
MOEDA
CAPITAL
IDIOMA
Moçambique
Metical
Maputo
Português/ Línguas
nacionais
Cabo Verde
Escudo - cabo
verdiano
camarões
Franco CFA
Central
Praia
Yaoundé
Português /
Crioulo
Francês/Inglês
porque minha irmã disse que tinha um amigo aqui e seria
mais fácil tendo uma pessoa pra receber e mostrar o lugar.
Normalmente, quando vamos nos candidatar procuramos
muito isso, ter uma pessoa lá para ajudar no início.
BM: A busca pelas faculdades do Brasil é para buscar um
ensino de melhor qualidade, pois a formação em medicina
no Brasil é de qualidade melhor e didática melhor, superando algumas faculdades da África.
NG: Para você, qual a diferença do estudante daqui e
de lá e quais as diferenças no curso de medicina?
JM: Em Cabo Verde não tem curso de medicina, está sendo implantado agora, de acordo com o sistema de Portugal: três anos de teoria e dois anos de prática mais dois
anos finais em Portugal. Isso ainda está no início, quando
eu me candidatei ainda não existia.
BM: O curso de medicina lá, comparado com o curso de
medicina aqui do Brasil é diferente. É como comparar o
curso de medicina do Brasil com o dos EUA.
NG: Vocês pretendem voltar para a África?
JM: Inicialmente eu queria voltar logo que acabasse o curso, mas então conheci a Keila e a Ana, residentes aqui, e
surgiu a ideia de ficar e fazer residência. No entanto, nós
também temos a oportunidade de fazer em outros países.
Então, daqui para o final do curso eu irei decidir.
BM: Não sei se vou voltar, ficar no Brasil ou migrar pra outro País. Não é uma questão fácil pra responder. Irei onde
tiver uma boa proposta de trabalho independente do lugar.
Vanise Sacur: Eu pretendo sim voltar para a África, no
caso para o meu país. Na verdade, é isso que o convênio
preconiza, mas eu acredito que se existir alguma coisa
que me prenda aqui talvez eu fique.
NG: Sabemos que vocês têm que retornar à África,
mas por quê?
NG: Como é sua vida social aqui? Como se adaptou
inicialmente em relação às diferenças?
JM: O convênio é assim, você vem pra fazer o curso e
depois voltar pra fortalecer o mercado de trabalho do seu
país. O nosso visto brasileiro é de um ano e sempre que
ele acaba temos que ir na Polícia Federal pedir renovação e para isso é necessário comprovar que estamos
estudando.
JM: Tive dificuldades na linguagem. O que ajudou foi que
lá passam novelas daqui e a gente vê muito. Foi no segundo ano que eu realmente consegui me adaptar e sentir
que morava aqui, porque antes eu tinha muita dificuldade
pra pegar os ônibus - pegava ônibus errado, já dei muita
volta. Agora consigo me desenrolar.
NG: Por que você escolheu o Brasil e a UFAL?
BM: Com a cultura diferente demorou pra me adaptar, mas
estou bem já. Em qualquer lugar precisamos nos adaptar,
ainda mais quando há uma distância cultural.
JM: Eu tinha me candidatado pra Portugal e Brasil, Portugal o resultado sai primeiro. Normalmente vem para
o Brasil quem não consegue para Portugal. Eu passei
na segunda chamada para o Brasil. Antes de vir pra cá,
como meu nome não saiu na primeira lista, eu tentei me
candidatar pra China, já estava quase tudo pronto pra
ir, então me chamaram pra vir pra cá. Escolhi Maceió
NeuroGenesis ● Edição 02
VS: A minha vida social aqui em Maceió é quase inexistete porque é o curso é muito puxado. Mas sempre que
dá eu tento aproveitar. Na realidade eu sou muito caseira,
então tem esses dois aspectos. Não tive dificuldade para
me adaptar e o que realmente ajudou nesse processo foi o
Megafone
29
PEC - G
O Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) seleciona estrangeiros entre 18 e preferencialmente
até 23 anos, com ensino médio completo, para realizar estudos de graduação no Brasil. São selecionadas
preferencialmente pessoas inseridas em programas de desenvolvimento socioeconômico.
O aluno estrangeiro cursa gratuitamente a graduação. Porém este precisa atender a alguns critérios:
- provar que é capaz de custear suas despesas no Brasil
- ter certificado de conclusão do ensino médio ou equivalente
- ter proficiência em língua portuguesa.
- compromisso de regressar ao seu país e contribuir com a área na qual se graduou.
Mais informações: http://portal.mec.gov.br/pec-g
A Bolsa Promisaes, no valor de R$ 622,00 tem como público alvo os estudantes conveniados do PEC-G, que estejam
devidamente matriculados e possuam frequência regular às aulas. Cada edital tem validade por 6 meses.
Critérios de seleção:
- Situação do visto junto à Polícia Federal
- Análise da situação sócio econômica
- Rendimento acadêmico medido através do coeficiente de rendimento acumulado
- Frequência escolar
- IDH do país de origem
- Envolvimento do aluno em atividades acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão relacionadas com o curso de
graduação, em que pesem, preferencialmente, as contribuições do contexto cultural e social do país de origem
bolsa promisaes
fato de logo que quando cheguei, tive de imediato o apoio
de outras pessoas que também não eram de Alagoas e
isso foi determinante para que eu ficasse aqui. Muitas pessoas da minha turma se aproximaram, ficaram interessadas em saber mais de mim e de onde eu vim. Mostravam
interesse, queriam me conhecer e isso tudo me deixou
um pouco mais à vontade. Sem contar que eu fiz amigos
rapidamente, amigos que eu guardo até hoje e pretendo
guardar pra sempre. Isso foi extremamente importante no
meu processo de adaptação.
NG: Aqui no Brasil, você sofreu algum tipo de preconceito?
JM: Preconceito na cara não, mas sinto às vezes na cara
das pessoas, cara de nojo. Já estive numa loja em que
chamava atenção de todos. Eu acho que isso é preconceito. Na faculdade não senti muito, pois já tem mais gente
da África e as pessoas já estão mais acostumadas.
BM: Existe preconceito no Brasil. Existe o preconceito e
NeuroGenesis ● Abril 2016
isso não é direcionado para nós. Existe o preconceito
mesmo entre os brasileiros, o que não nos coloca fora
dessa tendência.
N: Financeiramente, como você se mantém aqui?
JM: Com a ajuda da minha família.
BM: A ajuda financeira é dos pais, na maior parte é
deles. Mas o programa oferece bolsa para os alunos
que tem uma boa conduta e um bom desempenho na
faculdade.
NG: Desde que veio para o Brasil já retornou em
algum momento pra áfrica?
JM: Sim, já fui 3 vezes. Sempre viajo no final do ano e
passo o tempo que tenho de férias.
BM: Desde que vim só fui lá uma vez para visitar minha família, pois a passagem é muito cara e também
por conta da greve.
C
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O menino-homem
O menino cresce sob o olhar de todos
O menino se comporta, sob o olhar de
todos
O menino é forte, sob o olhar de todos
Mas o menino chora, longe de todos
Precisa ser forte, à vista de todos
Caso contrário será pisado por todos
Será julgado e maldito por todos
Torna-se homem cedo demais por
causa dos sofrimentos
[angústias e lamentos, infligidos por
todos
Amarga é a lição que a vida ensina ao
menino-homem
[mas quando ele a aprende
Os caminhos rochosos tornam-se
pradarias floridas
Onde o menino-homem pode se recostar e
descansar
Cheirar as flores e dizer que encontrou sua
felicidade
E sorrir sentindo o cheiro das flores opondose as lembranças
[dos duros momentos de sua vida
Quando ele achava que não suportaria mais
aquilo
Ele ri, sentindo a felicidade espalhar-se por
todo seu corpo
Aquilo era paz em sua plenitude.
(Arthur Sampaio, 1º período)
Nossa 2ª edição traz uma dica de livro para todos, mas que serve especialmente como reflexão para os médicos em formação. Trata-se do livro
“Sob Pressão - A Rotina de Guerra de Um Médico Brasileiro” (ed. Foz),
do autor e médico carioca Marcio Maranhão, 44, cirurgião torácico.
O livro fala sobre os 15 anos em que ele atuou em hospitais municipais e estaduais do Rio, com vários episódios, incluindo os mais traumáticos que o levaram a desistir do sistema.
Sinopse da editora Foz: Esta guerra acontece todos os dias.
Perto de nós. Nos hospitais de qualquer cidade. Um jovem médico conta o drama de atender nas emergências do país.
Um livro arrebatador sobre a tragédia da saúde no Brasil.
“Esse livro é um verdadeiro desabafo de um médico que está engajado
em fazer seu papel, mesmo diante de todas as dificuldades vivenciadas
na saúde pública do nosso país. Serve para nós, estudantes de
Medicina, nos prepararmos para a realidade que iremos encontrar. E,
como Márcio Maranhão, iremos falhar, chegaremos no nosso limite. Porém,
devemos nos arriscar em fazer o que temos como certo. Sugiro a leitura!”
Elyne Calumby - 4º Período
NeuroGenesis ● Edição 02
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SA LVE , M O NIT O R !
COMUNICAÇÃO
EM MEDICINA
“Quanto mais se sua no campo de treinamento, menos se sangra no campo de batalha”
(Coronel Red)
Fevereiro de 2011, Casa da Palavra, Maceió. Era nosso primeiro dia numa tão disputada disciplina eletiva: Comunicação em Medicina. Ouvimos, dos ex-alunos, rasgados elogios ao professor e
às aulas ministradas. Chegamos pontualmente às 19h, um pré-requisito. Logo à entrada, percebemos
tratar-se aquele de um momento acadêmico ímpar: edifício rústico, colonial, elegante, no qual o badalar
de um sino anunciava nossa presença. Fomos recebidos por um porteiro formalmente trajado, que nos
conduziu a um secretário, tão bem vestido quanto, conduzindo-nos este aos nossos assentos. O ambiente era impecável: cadeiras, mesas e lustre que remtiam ao século XIX, iluminação adequada, amplos
espelhos, temperatura amena e um grande mural com fotografias de eventos celebrados no recinto. O
piso, de tão bem limpo, refletia nossa ansiedade.
Eis que surge o grande mestre: Prof. Dr. Ricardo Nogueira. Apresentação completamente diferente dos discentes de outrora: terno, gravata, sapatos sociais, postura impecável, discurso devidamente redigido entre suas mãos. Aproximou-se do púlpito e proferiu suas primeiras palavras... “Sois alunos
medíocres de uma Universidade medíocre!” Como assim!? Nós? Que tanto estudamos para vencer a
competição de um vestibular? Que estávamos tão tarde assistindo àquela aula após dois turnos exaustivos? E o pequeno doutor continuava... Cada vez aumentando seu timbre, gesticulando ferozmente, em
cada frase uma ofensa indiretamente dirigida ao âmago dos presentes. Todos pensamos seriamente em
desistir. Não nos havia restado ânimo. Que mal faria a ausência curricular de uma disciplina “opcional”?
Lêdo engano...
Logo na segunda aula, atarefados com uma simples apresentação pessoal aos colegas, pudemos perceber toda a dedicação daquele ser para com seus pupilos. Corrigia-nos impiedosamente: posicionamento das mãos, tom de voz, alinhamento das roupas, gesticulação, disposição do microfone e,
aquilo que não cansava de exigir... ENTUSIASMO! Uma aula eminentemente prática! Saímos exaustos,
contudo, com uma sensação de quebra de paradigmas, de saída da então descoberta zona de conforto.
Mais do que isso, tivemos a impressão quase que absurda de, pela primeira vez na faculdade, a-prender. Seguiram-se aulas e mais aulas com temas variados baseados em discurso, casos clínicos, debate,
vídeos médicos, entrevista... Enfim, fomos submetidos a diversas situações até corriqueiras na carreira
médica, com o diferencial de nos ser exigida nada menos que a perfeição.
Hoje, cursando o último ano de Medicina na UFAL, sinto-me doutorando competente em lidar
com as adversidades de nosso sistema de saúde. Nunca me rebaixando à acomodação, todavia questionando a realidade para extrair o possível de cada situação. Exijo do serviço, dos colegas e dos pacientes
aquilo que há de melhor, para então retribuir com meu conhecimento. Se “o brasileiro não perde a oportunidade de perder uma oportunidade”, não serei eu, futuro médico alagoano formado em Comunicação
em Medicina, a perpetuar tal alcunha.
NeuroGenesis ● Abril 2016
por ALEXANDRE RIMUARDO- 11º período
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FALA PERÍODO
Juliane, Matheus, Você
Oi, pessoal! Sejam bem-vindos ao Fala Período. O que vocês tem a dizer sobre os
últimos períodos que cursaram?
15:45
Juliane Albuquerque - 6º Período
Quinto período, início das clínicas, muitos sonhos e ansiedade. Talvez seja um pouco frustrante:
algumas matérias desorganizadas, poucas práticas e alguns professores que não se dedicam
o suficiente, trazendo para os alunos a obrigação de praticamente dar aula.
Porém, sempre tem aquela matéria que, mesmo sendo muito difícil, anima e estimula os
estudantes; assim é a nossa endócrino. Complexa, muitos assuntos longos, porém recorrentes
no dia a dia. Talvez seja a melhor cadeira do período, com aulas práticas sempre cheias de
conhecimento e exigência por parte das professoras. Foi a matéria que mais me fez estudar e
provavelmente são as patologias que eu mais me sinto segura em dar alguma opinião sobre
tratamento graças ao esforço e cobrança das professoras, que não se cansavam em nos
fazer perguntas na frente dos pacientes.
No P5 nós começamos a entender melhor o modo de funcionamento da medicina e como a
conversa e observação do paciente são essenciais para o conhecimento médico. Embora eu
não tenha amado as matérias elas foram muito mais gostosas de serem estudadas pois são
problemas reais - Vamos aprender a respeito de asma, diabetes, hipertensão arterial, varizes,
IVAS, parasitoses.
Na pediatria também há muita exigência, diversos assuntos e prova no final do período com
todos os tópicos dados. É muita responsabilidade cuidar dos pequenos, porém aos poucos
vamos nos familiarizando, perdemos o medo e até acostumamos às tentativas de auscultar
pulmão e coração com a criança aos prantos - quase sempre sem sucesso.
Enfim, desejo a todos que estão cursando ou cursarão em breve o “quinto dos infernos” muita
sorte, força de vontade para estudar, coragem, menos ansiedade e expectativa. Somos 1/3
médicos, mas é frequente a sensação de que não temos conhecimento suficiente. Como
sempre, aquele velho conselho: vamos com calma que tudo dá certo! Estudem e aproveitem
as tão sonhadas CLÍNICAS!
16:20
Matheus Baptista - 5º Período
O 4º Período foi sem dúvida, dentro do ciclo básico, o período que mais me instigou. Além das
disciplinas de agressão e defesa que mostram o universo dos microorganismos e a importância
de conhecê-los - a fim de identificar os agentes causadores das mais variadas patologias que
nos afetam e como conseguimos nos defender desse ambiente tão hostil - temos ainda a
semiologia médica. Nela me deparei com a medicina na prática, vivenciando a importância de
saber executar um bom exame físico e, acima de tudo, aprender a ouvir os pacientes e sua
história, de modo a compreendê-los em toda sua complexidade física e psíquica
16:45
NeuroGenesis ● Edição 02
Megafone
a g e n da
Maio
06: Término do edital de transferência externa
reopção de curso para o período 2016.1;
06: Período para requerer reabertura
de matrícula
11: Congresso da Federação Internacional de
Cirurgia Plástica (Rio de Janeiro - RJ)
05 - 07: XXII Congresso Brasileiro de Trauma
Ortopédico (Centro Cultural e de Exposições
Ruth Cardoso, Maceió - AL)
28: Baile de Formatura da Turma
LXVI - Medicina UFAL
30: Encerramento do período letivo 2015.2
junho
20: Início do semestre 2016.1
julho
22 - 31: Encontro Científico dos Estudantes
de Medicina (Fortaleza - CE)
AGOSTO
12/08 - 02/09: XXXI Curso de
Emergências Clínico-Cirúrgicas (Casa da
Palavra, Maceió - AL)
21 - 24: 52° Congresso da Sociedade
Brasileira de Medicina tropical (Centro Cultural
e de exposições Ruth Cardoso, Maceió - AL)
27 - 31: XXVII Congresso Brasileiro de
Neurologia (Belo Horizonte - MG)
NeuroGenesis ● Abril 2016
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