Reportagem: Os Esquecidos da Cheia
Passados três meses das chuvas que varreram os municípios alagoanos, poucos grupos continuam prestando assistência às vítimas, entre eles, a FAMED/UFAL
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A tragédia que se abateu sobre Alagoas, quando a grande quantidade de chuvas de início de inverno aumentou o nível dos rios e ocasionou a abertura de comportas de algumas barragens, fazendo com que um volume imenso de água varresse várias cidades alagoanas e pernambucanas, completou três meses no dia 15 de setembro. Muitas famílias desabrigadas continuam nas mesmas condições e as cidades atingidas ainda estão em situação de calamidade. No meio desse caos, grupos como a Universidade Federal de Alagoas, por intermédio de seus alunos e das suas faculdades, como a Faculdade de Medicina – FAMED permanecem prestando suas contribuições.
Após o grande alarde inicial ocasionado pelo susto e do surto coletivo de solidariedade instantânea que tomou conta da sociedade, no entanto válido, diga-se de passagem, hoje a situação das famílias desabrigadas permanece a mesma e poucas equipes continuam a prestar-lhes assistência. É nesse cenário de abandono que os estudantes, orientados pela Coordenadoria de Extensão da FAMED, se preparam para realizar as atividades.
Quem chega à cidade de Murici e passa pelo terminal rodoviário logo tem uma idéia do que vai encontrar no restante do caminho. O lugar está servindo de abrigo para algo em torno de 42 famílias que ficaram desabrigadas após as enchentes no mês de junho. No local, crianças convivem com adolescentes, adultos e animais domésticos em um mesmo ambiente, compacto, sem as condições mínimas de higiene. Isso é um prelúdio do que se encontra nos galpões, ginásios, igrejas e garagens espalhados pela cidade.
Barracas se transformam em consultórios improvisados, e os pacientes vão chegando, formando filas, esperando a vez. Tudo sobre as coordenadas dos professores que acompanham as equipes. Algumas vezes, a FAMED recebe ajuda de outros grupos que circundam e também realizam trabalho com as comunidades, como a Pastoral da Criança e os Médicos Sem Fronteiras, que auxiliam sempre que podem. Segundo o professor Cláudio Soriano, a iniciativa começou de um grupo pequeno, em razão da urgência da situação, e vem se organizando aos poucos.
“A tragédia aconteceu numa sexta-feira, já na terça nós fomos para Santana do Mundaú com um grupo de estudantes, de forma voluntária. Depois começamos a articular com o professor Waldemar Neves e outros Professores uma ação mais organizada. Começamos a ir à Santana do Mundaú uma vez por semana, com um grupo de estudantes do quinto e do sexto ano, especialmente os alunos do sexto ano, e também com estudantes de outros cursos e de outros períodos para que a gente pudesse realizar uma ação mais ampla, não só no atendimento pediátrico, junto com outros estudantes, mas também um atendimento integral, dando orientações em relação à higiene, prevenção contra acidentes, prevenção de DST’s, prevenção contra a violência, cuidados com a água e também no atendimento de sintomas conhecidos como de doenças respiratórias, de pele, diarréia e várias outras”.
O Professor deixa claro que o maior cuidado do grupo, no entanto, está sendo com os idosos que, além das crianças, são as mais vulneráveis às doenças e problemas sociais. Em Santana do Mundaú, umas das cidades que praticamente desapareceu após as enchentes, os idosos estão sendo acometidos por uma onda de depressão e muitos estão morrendo, pois não vislumbram mais perspectiva de sobrevivência, não só pelas perdas materiais, mas também pela morte de entes queridos.
No início das atividades, a população permanecia um pouco mais esperançosa em razão do grande número de estudantes e médicos que apareciam para fazer atendimento. Com o passar do tempo e da exploração da mídia sobre a tragédia, os profissionais foram escasseando, mas a situação das famílias continuou a mesma e quase nada foi feito.
Para os acadêmicos de medicina, a experiência está sendo válida, principalmente pelo conhecimento da realidade de alguns municípios do Estado, que antes já era crítica e que as enchentes somente evidenciaram. “É uma situação importante que a gente está vivenciando, acho que seria interessante, apesar de não ser voluntariado, todo estudante de medicina ter essa experiência, porque quando saímos da Faculdade escolhemos nossa especialidade, e muitas vezes não temos contato com a realidade da nossa cidade e do nosso Estado como um todo. Está sendo muito importante, principalmente porque tem algo fundamental que é a preceptoria do nosso lado, cumprindo a parte do internato, que é uma coisa que estaríamos fazendo dentro do hospital, mas que está sendo muito útil aqui na cidade” explica a aluna do sexto ano de medicina, Letícia Januzi.
As ações de saúde continuam sendo realizadas, tentando suprir da melhor forma as necessidades das famílias. No momento, três estão sendo desenvolvidas: assistência, com os alunos do internato, às quintas e sextas em Murici e Branquinha, saúde mental, nas mesmas cidades e com o auxílio dos Médicos Sem Fronteiras, às segundas, quartas e sábados e em educação e saúde, onde serão abordadas questões de epidemiologia, cuidados com a água e a alimentação, ação geralmente realizada aos sábados.
Um grande empecilho para a continuidade das assistências é a falta de auxílio mais efetivo dos órgãos competentes, o que faz as equipes correrem o risco de realizar funções paliativas que seriam de obrigação das prefeituras. “Vamos fazer agora uma reunião com o grupo todo, geral, para se discutir quais ações vão ser feitas ao longo do tempo. A idéia é que as de assistência, com os alunos “sextanistas” da FAMED, aconteçam no máximo até o mês de outubro, porque há a possibilidade do nosso grupo estar realizando uma ação que é de competência do município. Então, nós temos que nos eximir dessa competência e fazer com que o município assuma a responsabilidade de contratar mais profissionais para desenvolvimento dessas ações”, afirma o professor Waldemar Neves, Coordenador de Extensão da FAMED.
O empenho da Universidade em atender, por intermédio de seus projetos e de suas faculdades as populações dos municípios atingidos, chegou ao ápice no dia 11 de setembro, quando aconteceu na Tenda Cultural Estudantil o I Fórum Social em Defesa da Vida de Alagoas, direcionado para a discussão das necessidades das vítimas das chuvas. No evento, lideranças sociais das cidades atingidas tiveram a oportunidade de expor seus problemas para a comunidade acadêmica, que se comprometeu em fazer valer as discussões que aconteceram na manhã e na tarde do Fórum, que serviu também como oportunidade para uma interação com essas famílias, realizando uma política de reinserção social.
A realização do Fórum vem atender aos interessados mais urgentes em todo o processo de auxílio, as vítimas das chuvas, que seguem sobrevivendo a situação de calamidade que estão inseridos, alheios muitas vezes às decisões essenciais que são tomadas em relação ao seu destino. Mais importante do que medidas profiláticas, seriam ações rápidas dos responsáveis por cada cidade e pelo Estado, não só em resolver o problema mais básico, de moradia, como também de fazer-lhes acreditar de novo em uma possibilidade de vida estável, onde não se sintam como um imenso e amorfo problema a ser resolvido, empurrado com a barriga ou varrido para debaixo do tapete, principalmente quando estão vulneráveis às mais diversas e genéricas promessas, tão comuns em ano de eleição.