Bem vindos ao futuro!

Há seis anos vocês foram contemplados com a possibilidade de estudar medicina, e então juntos sonharam, e construíram a possibilidade de serem médicos. Hoje, o sonho é realidade. Bem vindos ao mundo adulto, das responsabilidades, do compromisso social, e da autonomia. Hoje, para a maioria, este é o último e principal ritual de passagem para o mundo adulto, quando outorgamos a licença social para exercer uma das mais antigas e nobres das profissões. Este é o futuro adivinhado e construído com objetividade e clareza durante seis anos. Mais adiante vocês ainda constituirão famílias, provavelmente mais de uma, irão morar em diferentes cidades e estados, e especializar-se-ão, alguns, em mais de um campo de saber médico, tudo ainda sem muita certeza ou clareza. Porém, a maioria absoluta, a partir de hoje, permanecerá médico. Tem sido assim ao longo dos séculos e mesmo para a geração Y permanecer médico lhes confere identidade simbólica de grupo para melhor viver em um mundo de volatilidades, imprevisibilidade, incertezas, múltiplas experiências e conseqüente insegurança. Seis anos demoram muito a passar, os dias, semanas, meses, anos, são consumidos estudando mais que se divertindo, mas nestes mesmos seis anos tudo que foi possível fazer junto com os novos amigos será inesquecível e sobreviverá no tempo da memória, um tempo não cronológico. O mesmo tempo que nos faz olhar para trás e dizer hoje que seis anos passam rápido demais. E permanecerá aquela impressão de não terem aprendido o suficiente. Mas também ficará a impressão de terem aprendido que todo conhecimento tem limite, se renova e agora é o tempo de vocês de contribuir com a renovação. Estamos sempre em transição entre a tradição e o novo que se instala às vezes como ruptura, ou na maioria das vezes imperceptivelmente deslocados como transição pela roda do tempo. O mesmo tempo e a mesma transição que os fez adaptarem-se às novas demandas educacionais sintonizadas com o novo momento social. Não foi suficiente, pois o que nos tiraram ao longo dos anos da ditadura e dos anos seguintes demora a recuperar. Ficará por conta de cada um o exercício profissional com o rigor ético e a humanização exigida para o reconhecimento social como médico. Não nos basta a licença profissional. A experiência pratica e ética vem com o zelo em cada passo profissional dado em busca da excelência individual. Se o exemplo profissional serve de apoio às futuras condutas lembrem-se mais dos docentes que alinharam sempre o mesmo respeito, com dedicação e justeza das ações, a vocês, aos pacientes, aos colegas, e aos técnicos nos ambientes em que vocês estudaram. Mas não é suficiente também o exemplo profissional, pois não estamos isolados no mundo, e este mesmo mundo cobrará de vocês adaptação e flexibilidade para enfrentar o cotidiano dos hospitais sempre lotados, os políticos que tentarão interferir em suas condutas, os colegas que se esquecerão da ética, a sedução das empresas de medicamentos. Porem nosso principal algoz é a nossa própria consciência e não esqueçam jamais que são humanos e passíveis de falhas e de adoecer como qualquer outra pessoa. Não negligenciem jamais o auto-cuidado que inclui o respeito ao próprio corpo com direito a férias, ao lazer, às horas de introspecção ou para o convívio familiar e com os amigos. Médicos adoecem e morrem por negligência no auto-cuidado, principalmente por exaustão e acidentes. Não somos super-profissionais que tem que preencher suas horas apenas com trabalho demasiado para corresponder a uma imagem social de sucesso e riqueza. Somos em maioria, hoje, assalariados da saúde, e o caminho para a conquista de um salário digno e adequadas condições de trabalho é a adesão ativa aos órgãos de classe. A defesa associada de nossos direitos promove estilo de vida mais saudável que a competição imposta pelo estilo individual de resolver tudo sozinho. É tempo de rever muitas das nossas atitudes profissionais. Nenhum trabalho médico é superior a outro, somos complementares. Nenhum trabalho médico é superior ao de qualquer outra profissão de saúde, somos complementares no cuidado ao outro. Precisamos aperfeiçoar a convivência inter e intra-profissional como estratégia para uma melhor qualidade de vida e desenvolvimento civilizatório. Este é o novo tempo que vos aguarda, o de reconstrução de laços, práticas, atitudes, conhecimentos. Tempo de continuidade também do melhor que foi aprendido nestes seis anos, tempo de zelar pelo fogo sagrado do conhecimento adquirido, tempo de iniciar o exercício de uma pratica medica, ética, solidária, humana.

Imaginem o melhor para cada um como estratégia para o avanço civilizatório, comunal, para os próximos seis anos e construam com a mesma força e motivação que os moveram até aqui, e vocês construirão cada um com seu sonho uma teia de realidades saudáveis, solidárias. Construam o futuro que vocês merecem e boa sorte.