Preceptoria de Território

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                    Preceptoria de Território, Novas Práticas e
Saberes na Estratégia de Educação Permanente
em Saúde da Família: o estudo do caso de
Sobral, CE1
Preceptorship of Territory, new Practices and Knowledge
in the Strategy of Continuing Education in Family Health
Strategy: the case study of Sobral, Ceara, Brazil
Rosani Pagani
Mestre em Sáude Pública. Consultora Técnica da Coordenação
Geral de Gestão da Atenção Básica do Ministério da Saúde.
Endereço: Setor de Administração Federal Sul - SAF - Quadra
2 – Lote 5/6, Edifício Premium - Torre II – Auditório - Sala 10, CEP
70070-600, Brasília, DF, Brasil.
E-mail: rosanip@gmail.com

Luiz Odorico Monteiro de Andrade
Doutor em Saúde Coletiva. Professor Adjunto da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal do Ceara/Sobral-Ceará. Membro
da Rede Interdisciplinar de Pesquisa e Avaliação em Sistemas de
Saude – RIPASS.
Endereço: Ministério da Saúde. Esplanada dos Ministérios Bloco G,
2o andar, sala 207, CEP 70058-900, Brasilia, DF, Brasil.
E-mail: odorico_andrade@hotmail.com
1 Este artigo foi baseado no trabalho apresentado à 3a edição do
Prêmio Sérgio Arouca de Gestão Participativa da Secretaria de
Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, 2008,
tendo recebido menção honrosa como “Trabalhos Acadêmicos”.

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Resumo
O presente trabalho pretende apresentar um novo
ator no Sistema Único de Saúde – o preceptor de
território – bem como discutir sua atuação. Com a
implantação da Estratégia Saúde da Família, bastante se tem discutido sobre o desafio de formar
profissionais para atuarem neste modelo através de
educação permanente em saúde. Nesse processo, o
município de Sobral, CE, criou em 1999 a residência
multiprofissional e a preceptoria de território; em
2001, a Escola de Formação em Saúde da Família
Visconde de Sabóia. Este estudo teve como objetivos
analisar a implantação e a atuação da preceptoria
de território, descrevendo o processo de trabalho
dos preceptores e identificando suas competências;
além disso, descreveu-se o processo de educação
permanente desenvolvido na Estratégia de Saúde
da Família em Sobral. Utilizou-se uma abordagem
qualitativa do tipo estudo de caso, com os seguintes
instrumentos: entrevistas, questionários e grupo
focal. Para a organização os dados foram analisados
através da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo
(DSC). Entre os achados do estudo, identifica-se o
preceptor de território como um profissional que
atua diretamente com os residentes nos territórios
das equipes da estratégia de saúde da família,
destacando-se por suas amplas competências. Entre
estas, podem ser mencionados conhecimentos conceituais nos campos da saúde coletiva e das relações
humanas, bem como conhecimento e desenvoltura

na utilização de métodos de ensino (problematização, educação permanente em saúde e educação
popular). Deve também ser capaz de desenvolver
relações harmônicas e de participação. O debate
vem auxiliando o preceptor de território de Sobral
a estabelecer seu papel e consolidar sua função de
educador na construção do SUS.
Palavras-chave: Território; Território e Saúde; Educação Permanente; Co-Gestão, Preceptoria.

Abstract
This paper aims to present a new actor in the
Health’s Unique System of Brazil (SUS), the preceptor of territory, and discuss his performance. The
implementation of Family Health Strategy (ESF)
has led to intense discussion about the challenge
of professional training to work in this model, in a
process of continuing education in health. Sobral,
city in Ceará (north-east of Brazil) has created,
in 1999, a multi-professional residency program,
and in it, the preceptorship of territory. In 2001,
Sobral’s City Hall received financial incentive of
the provincial government and created the School
of Family Health Visconde de Saboia where these
programs of education are based. This study aimed
to analyze the deployment and operation of territory
preceptorship, describing the tutors’ process of
work, to understand their skills and to discuss the
process of permanent-learning strategy developed
at the Family Health’s strategy in Sobral. We use a
qualitative approach, the case study, with the following instruments: interviews, questionnaires and
focal groups. Data were analyzed with the method
of “Collective Subject Speech”. Among the study’s
findings, the preceptor of the territory is identified
as a professional who works directly with residents
in the territories and displays a broad variety of competences, such as conceptual knowledge of the field
of public health, human relations, problem based
knowledge and methodologies of continuing education in health and community. He should also be able
to establish relations of friendship, cooperation and
participation. the debate is helping the definition of
the role of the territory preceptor in Sobral within a
function that is still being consolidated – that of an
educator implied in the creation of SUS.
Keywords: Territory; Territory and Health; Continuing Education; Co-Management; Preceptory.

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Introdução
O Sistema Municipal de Saúde de Sobral
Sobral é um município situado no estado do Ceará,
na região nordeste do Brasil, com população de
aproximadamente 170 mil habitantes. Além da sede,
está constituído por onze distritos, com uma área
territorial de 1.729 km2. Possui 41 equipes de saúde
da família implantadas e 27 Unidades Básicas de
saúde da família (UBSF), sendo treze na zona rural
(distritos) e quatorze na zona urbana.
Após implantação da estratégia de Saúde da
Família (ESF) em 1997, o município de Sobral foi
aperfeiçoando diversos aspectos no sistema de
saúde, como o seu modelo de gestão e a formação
permanente dos profissionais. Em 2001, implantouse um novo modelo de gestão, baseado nos princípios
da co-gestão de coletivos, propostos por Campos
(2000), que tem como dispositivo principal o chamado método da roda. Este dispositivo tem como objetivo promover a autonomia das pessoas e grupos,
fomentar os processos de democracia institucional
e de descentralização de poder, criando espaços
para a participação de profissionais e usuários nos
processos de trabalho e de gestão.
Este novo modelo pode contribuir para o fortalecimento da ESF, que busca a efetivação do Sistema
Único de Saúde (SUS) a partir dos princípios doutrinários de universalidade, integralidade, e equidade
e dos princípios organizativos de acessibilidade,
resolutividade, regionalização, descentralização,
hierarquização e participação popular.
A ESF implica em novos papéis para as equipes
de saúde da família, apoiando-se em atitudes e
posturas de atuação não discutidas na formação
habitual dos profissionais. Estes, pela natureza da
tarefa a eles atribuída, devem ser capazes de atuar
não só com problemas biológicos e de morbidade
individual em saúde, mas também com problemas
coletivos, socioculturais, numa atuação feita em
consultórios e também em territórios, junto às redes
sociais e à população. Diante de tais exigências,
sentiu-se a necessidade de aprimorar os conhecimentos, habilidades e a postura dos profissionais
de saúde em Sobral. Para tal foram criadas em
1999 a Residência em Saúde da Família e a figura
do Preceptor de Território, com o desafio de ser um
educador permanente em saúde.
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Em 2001 foi inaugurada no município a Escola de
Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia
(EFSFVS), primeira do gênero no Brasil, como parte
integrante do sistema de saúde local. A Escola já nasceu vinculada ao processo de organização do sistema
municipal de saúde, com os objetivos de qualificar
e desenvolver competências nos trabalhadores de
saúde e contribuir com o processo de construção do
novo modelo de gestão e de atenção à saúde.

A Educação Permanente no Sistema Municipal de
Saúde de Sobral
Na saúde de Sobral existia o grande desafio de formar e capacitar os profissionais da saúde da família
para atuarem de acordo com os princípios da ESF.
Para reorganizar o serviço de saúde, transformar
o processo de trabalho e obter a melhoria da qualidade dos serviços, com equidade no cuidado, eles
deveriam aprender a trabalhar sob uma nova ótica.
O espaço de formação deveria ser, prioritariamente,
o local de trabalho, em processo potencializado pela
educação permanente. De acordo com o Ministério
da Saúde,
A educação permanente parte do pressuposto da
aprendizagem significativa, que promove e produz
sentidos, e sugere que a transformação das práticas
profissionais esteja baseada na reflexão crítica
sobre as práticas reais de profissionais reais em
ação na rede de serviços. A educação permanente é
a realização do encontro entre o mundo de formação
e o mundo de trabalho, onde o aprender e ensinar
se incorporam ao cotidiano das organizações e ao
trabalho. (Brasil, 2004, p. 09)

Conforme proposto, o processo de aprendizagem deve partir da reflexão sobre o que acontece
no serviço e sobre o que precisa ser transformado.
Para isso, é preciso problematizar as situações e
trabalhar a partir da aprendizagem significativa
(que promove e produz sentidos). Trata-se de um
processo de educação no trabalho, que tem como
finalidade garantir a qualidade da atenção à saúde,
adequada às necessidades da população usuária dos
serviços e da equipe, e não somente das carências
profissionais de qualificação e atualização.
O processo de trabalho envolve múltiplas dimensões: organizacionais, técnicas, sociais e humanas.
O saber técnico é apenas um dos aspectos envolvi-

dos na transformação das práticas. A formação dos
profissionais deve envolver aspectos humanos e
pessoais, tais como valores, sentimentos, visão de
mundo e as diferentes visões sobre o SUS. Isso implica em que se trabalhe com a transformação das
práticas profissionais e da organização do trabalho
simultaneamente.
No modelo tradicional de atenção à saúde, os
profissionais têm uma formação acadêmica baseada
no atendimento individual, centrado nos aspectos
biológicos, com intervenções realizadas de forma
isolada, e não em equipe. Na Estratégia de Saúde da
Família, porém, a exigência é de uma atuação ampla
dos profissionais, que devem trabalhar em equipes
multiprofissionais, mediante ações integradas, de
forma interdisciplinar, em coletivos. Isso requer o
apoio de ferramentas da epidemiologia, da vigilância
sanitária e ambiental, e exige que se preste atenção
integral ao ser humano, levando em consideração
não só o biológico, mas o cultural, o social, econômico, o familiar.
Para atuar neste novo modelo, é fundamental
criar estratégias descentralizadas, realizadas no
próprio local de trabalho, destinadas a promover
mudanças nas práticas de saúde. Trata-se de uma
formação distinta das especializações até então
existentes, voltadas para a capacitação de profissionais em domínios técnicos isolados. Nelas deve
ser privilegiado o desenvolvimento profissional e
institucional, envolvendo técnicos e gestores na
atenção, na formação e no controle social
A reflexão crítica na educação contribui para
pro­piciar que os profissionais, no seu espaço de
trabalho, também possam pensar, sentir, querer,
agir, serem criativos e autônomos. Assim é que,
desde 1999, o município de Sobral vem trabalhando em tal perspectiva, com educação permanente,
residência multiprofissional em saúde da família,
preceptoria de território. Além disso, é utilizado
também o modelo da tenda invertida na formação
dos profissionais de saúde, conforme proposto por
Andrade e colegas (2004):
No modelo da tenda invertida, o locus e o momento de formação do profissional passam a
ser a unidade de saúde e a comunidade onde a
equipe do SF atua. O mestre ou preceptor é que
se desloca para o local de trabalho do residente,

onde estão o território e a população, e, com eles,
os problemas de saúde do cotidiano. As unidades
de saúde, originalmente espaços de assistência,
se transformam em local e fontes privilegiadas
de construção de saberes no campo da atenção e
gestão da saúde. O pensar e o fazer saúde, nesse
contexto, implicariam uma nova lógica e organização do processo de trabalho, demandando
o desenvolvimento de um processo educacional
que possibilite aos gestores e trabalhadores do
SUS o aprendizado de outros conhecimentos,
saberes e formas de atuação (p. 143).

O Território e a Preceptoria de Território
Território e Saúde
A ESF propõe a ampliação do espaço de atuação
dos profissionais, de forma que sua atuação não se
restrinja às intervenções dentro das UBSF, e sim
alcance também o território, lugar privilegiado para
o desenvolvimento do processo de trabalho junto à
população. É importante, aqui, uma reflexão sobre os
conceitos e concepções de território em saúde.
O conceito de território aqui desenvolvido vai
além do aspecto geográfico, é mais do que uma região; ele envolve também práticas sociais, políticas e
técnicas, em que surgem permanentemente informações, transformações, modernizações. O território
é dinâmico, vivo, em constante movimento, com
suas redes de relações, redes sociais, lugares com
características próprias, com técnicas específicas,
um verdadeiro espaço produtor de solidariedade
(Santos, 2002, p.33).
Torna-se importante uma reflexão sobre as
diferenças entre território, espaço e lugar. Falar de
território é realizar uma discussão mais política,
mais ampla, sobre as necessidades, o planejamento
e as ações a serem desenvolvidas. Discutir lugar é
promover uma discussão mais social, compreendendo qual o sentido e o significado daquele lugar,
o vínculo afetivo das pessoas, a maneira como se
apropriaram do seu espaço. Já o espaço é tudo o que
ainda é desconhecido para as pessoas, o que não é
dominado, não foi ainda apropriado. O espaço irá se
transformar em lugar a partir do momento em que
passe a ter sentido e significado, quando as pessoas
começarem a se apropriar do espaço como sendo
seu, relacionando- se e identificando- se com refeSaúde Soc. São Paulo, v.21, supl.1, p.94-106, 2012 97

rências objetivas e subjetivas, no tempo em que são
construídas sua história e suas relações sociais. Ao
discutir o território, Brandão (2000) enfatiza estas
diferenciações e assim se pronuncia:
A identificação com o lugar é uma marca da apropriação do espaço e, por conseguinte, da própria
identidade de lugar, pois constitui um dos dois
processos básicos de apropriação, sendo que o outro é a ação-transformação. Esta ultima tem a ver
com a própria praxis dos sujeitos que modificam
o mundo objetivo e transformam o espaço vazio
em lugar dotado de sentido, inscrevendo nele a
sua marca subjetiva e transformadora [...] Ao agir
sobre os espaços os sujeitos desenvolvem relações
comunicativas entre si [...] Desta forma, o lugar
passa a ser não apenas um produto de sua ação
transformadora, mas, também, torna-se um valor,
ao qual os sujeitos ligam-se afetivamente (p. 152).

O setor da saúde ainda ensaia os primeiros passos
nestas discussões. Mas para dominá-las é preciso compreender a importância do conhecimento do ter­ri­tório,
da maneira como ele é usado, o significado do lugar
com suas representações simbólicas e subjetivas, o
espaço e as técnicas utilizadas para sua (re)estruturação, o modo de amar e de viver das pessoas.
Esta reflexão é indispensável, particularmente
dada a priorização da Saúde da Família como estratégia estruturante do sistema de saúde, visto que
nela a ação central é a atuação das equipes de SF em
territórios delimitados e definidos, principalmente
por meio de visitas domiciliares. As equipes atuam
tanto nos equipamentos – as Unidades Básicas de
Saúde da Família - como também fora da unidade,
buscando conhecer as famílias, sua realidade, seus
costumes, seu modo de vida, suas dificuldades, suas
possibilidades e suas potencialidades.
Por meio de tais processos, a saúde vem se
aproximando da discussão sobre territórios e dados epidemiológicos, que orientam a distribuição
dos equipamentos e serviços de saúde. Sua análise
exige uma abordagem mais ampliada, que incorpore questões sociais, educacionais, políticas e
culturais, identificadas através do conhecimento
dos espaços de encontro entre as pessoas, das redes
de relações, de ajuda, das formas de solidariedade e
lazer, de sua história singular, bem como do vínculo
entre as pessoas e os serviços de saúde, particular98 Saúde Soc. São Paulo, v.21, supl.1, p.94-106, 2012

mente a UBSF. Isto pressupõe entender a maneira
como as pessoas vivem seu cotidiano em tal território. De acordo com Souza (2004, p. 58), o território
deve ser uma categoria de análise social, na qual
todos devem estar atentos aos usos e eventos, a sua
dinâmica sócio-espacial e sua história.
Para esta autora, território é sempre espaço e
tempo; hoje, em virtude do avanço das tecnologias
de telecomunicações, as pessoas não precisam mais
sair de sua comunidade, de sua casa ou cidade para
obter informações, para se atualizarem. As informações chegam de forma quase que instantânea ao
local onde cada pessoa se encontra, através da televisão, da internet, do celular. É a chamada relação
de lugar/mundo em tempo real. Ou, nas palavras da
própria autora:
Então, esse mundo hoje faz com que global e local
se interajam e este, especialmente no futuro, será
mais importante que aquele. O poder local vai se
tornando cada vez mais importante do que o poder
nacional. Este dependerá cada vez mais daquele. Ou
seja, a base se insinua, no período popular, como sujeito, enfim, da história [...] Assim sendo, as coisas
da política tenderão a ser mais locais, porque é nos
lugares que as coisas da vida se passam e realmente
acontecem (Souza, 2004, p. 59).

Os profissionais de saúde têm atualmente o
grande desafio de desenvolver os seus processos
de trabalho dentro dessas concepções ligadas a
território e espaço.
A Preceptoria de Território
A preceptoria de território foi fruto da proposta
educativa da residência em SF da EFSFVS, que tinha
a responsabilidade pelo processo de educação permanente dos profissionais nos territórios de saúde
da família de Sobral. Apoiada conceitualmente nas
noções de território, estratégia Saúde da Família e
educação permanente, a concepção da preceptoria
de território tomou forma através da ação de um grupo multiprofissional - enfermagem, serviço social,
medicina, psicologia e odontologia.
A maioria dos preceptores de território exercia
outras funções, por exemplo gerente de UBSF, médico de SF, coordenação de residência e do Saúde da
Família, apoio a outros serviços, além de orientação
de monografias e outras formas de atuação em proje-

tos pedagógicos da EFSFVS (formação para o nível
médio, curso seqüencial de Agentes Comunitários
de Saúde). Alguns também trabalhavam em outras
instituições, como a Universidade. O quadro de preceptores de território sempre foi restrito em face da
grande demanda e necessidades do sistema de saúde
e da EFSFVS.
No começo o preceptor de território tinha atuação concentrada em habilidades e conhecimentos
inerentes à sua própria experiência profissional,
não havendo clareza em relação a seus papéis e
funções. Estava claro, todavia, que como educador
iria trabalhar com a formação dos profissionais e
residentes nas equipes de saúde, bem como com a
organização dos serviços e com a gestão participativa nos territórios.
Ao longo do tempo, a EFSFVS introduziu diversas estratégias para discutir e definir a função do
preceptor de território: seminários, fóruns, oficinas,
encontros e reuniões semanais. Gradativamente
estabeleceram-se os princípios de estilo e forma
de atuar, principalmente com base nas vivências
práticas do grupo de preceptores de território: na
atuação do preceptor deve haver clareza com relação
aos objetivos do seu trabalho e ao modo pedagógico
de implementá-los; ele deve conhecer bem a realidade epidemiológica, social, cultural e política do seu
território e estar sempre próximo dos residentes e
da equipe no desenvolvimento do processo de trabalho, bem como no que diz respeito à organização e
gestão dos serviços.
Segundo Sales e Pagani (2004) a educação que
se pretende com o trabalho da preceptoria de território, seguramente, está na perspectiva de conhecer
e potencializar nos aspectos culturais, dos modos
de sentir, pensar, querer, agir, sonhar e lutar das
pessoas que trabalham ou que utilizam as UBSF no
sistema de saúde. Partindo de vivências concretas
das teorias e das metodologias de educação e de
gestão democrática, tenta-se, na prática da preceptoria de território, vivenciar processos de produção,
organização e sistematização de saberes.
Assim, a preceptoria de território representa uma
prática inovadora de educação permanente para a
ESF e para o SUS, devendo possibilitar, portanto, o
crescimento institucional, profissional e pessoal dos
que atuam no SUS.

O Estudo
A motivação para realizar este estudo surgiu da necessidade de compreender melhor o que significava
ser preceptor, e a noção de território. Era preciso
conhecer e sistematizar essa nova função, além de
saber como foi criada e também como se desenvolveu. O passo seguinte seria contribuir para o seu
devido exercício.
A pesquisa teve como objetivos analisar a implantação e a atuação da preceptoria de território
desenvolvida no âmbito do sistema municipal de
saúde de Sobral; descrever o processo de trabalho
dos preceptores de território da EFSFVS; identificar
as competências do preceptor de território, bem
como descrever o processo de educação permanente
desenvolvido nos territórios do Sistema Municipal
de Saúde de Sobral.

Estratégias Metodológicas
Para o alcance dos objetivos propostos considerouse pertinente realizar uma pesquisa exploratória
do tipo estudo de caso com uma abordagem qualitativa, tendo como cenário o município de Sobral,
especificamente a EFSFVS. Considerando o contexto
da estratégia e da residência multiprofissional em
Saúde da Família de Sobral, identificou-se, preliminarmente, os atores sociais que vivenciaram o
processo da preceptoria de território. São eles: os
2 membros da diretoria da EFSFVS, 10 preceptores
de território atuantes, 23 residentes das turmas III
e IV, 16 egressos das turmas I e II do curso de especialização com caráter de residência, bem como dos
gerentes das UBSF que contavam com preceptores
de território no período da pesquisa.
O estudo iniciou-se em 2003 e foi concluído em
2006, enquanto a coleta de dados ocorreu no período
de outubro a dezembro de 2004.
Considerando os objetivos a alcançar e as especificidades dos atores sociais do estudo, decidiu-se por
três instrumentos de investigação: a entrevista individual livre, a partir de quatro perguntas geradoras; um
questionário com cinco questões abertas, além de grupo focal, partindo de duas perguntas norteadoras.
Os dados coletados foram organizados e analisados por meio da metodologia DSC- Discurso do Sujeito Coletivo (Lefèvre, F.; Lefèvre, A. M. C., 2003).
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Resultados
Os resultados obtidos permitem uma abordagem sobre a preceptoria em três momentos: primeiramente,
a criação e o desenvolvimento da função do preceptor de território; no segundo momento, a atuação e a
função do preceptor e suas competências; no terceiro, a avaliação e o acompanhamento dos residentes
e especialistas pelo preceptor de território.
A função do preceptor de território surgiu a
partir da criação da residência multiprofissional,
derivando esta da mudança do modelo de atenção à
saúde em Sobral. Todavia, não houve uma preparação prévia para a atuação do preceptor de território,
tendo ele, no inicio, tarefas múltiplas de apoiador,
de supervisor, de educador. Ou, como disseram os
entrevistados:
“O preceptor de território surgiu com a criação da
residência e a residência surgiu com a necessidade
do serviço. Este nasceu realmente dentro do serviço,
não em sala de aula, nasceu dentro da UBSF.” (DSC,
entrevistas/diretores da EFSFVS).

Estes profissionais começaram a atuar diretamente nos serviços de saúde, embora sem muita
clareza da sua função, sem um modelo ou um
referencial a ser seguido; este teve que ser construído nas vivências práticas, refletindo os modos de
fazer, com muitas discussões. Isso foi considerado
positivo, pois permitiu uma diversidade na atuação, e propiciou a descoberta de diversas maneiras
de trabalhar. Desse modo, o papel do preceptor foi
construído com base em erros e acertos, como observaram os entrevistados:
O preceptor de território foi formado por um grupo
de diferentes profissões, com diferentes experiências, acumulações, atuando dentro do que sabia,
do que acreditava, pois a função do preceptor de
território não era clara, estava sendo construída.
Isto foi positivo, pois acumulou diferentes experiências, sendo ele no início um pouco de tudo (apoiador,
supervisor, educador). (DSC, entrevistas/diretores
da EFSFVS).

A atuação e a função do preceptor de território
foram objeto de diversas percepções entre os entrevistados, algumas complementares e outras divergentes. Alguns percebem que o preceptor começou a

100 Saúde Soc. São Paulo, v.21, supl.1, p.94-106, 2012

atuar junto à equipe de saúde e ampliou esta atuação
ao se aproximar mais dos residentes e da residência;
para outros, porém, ele se afastou um pouco dos
processos de trabalho dos territórios e se aproximou
mais da residência ao longo da sua atuação, conforme se vê nos depoimentos seguintes:
“O preceptor de território trabalha muito com as
equipes de saúde da família, atuando diretamente nas
reuniões de roda das UBSF (espaço que ajudou na sua
construção e consolidação) e no processo de trabalho
da equipe... Atualmente o preceptor de território esta
dando conta também de trabalhar todos os temas
relacionados à saúde coletiva, aproximando realmente o estudo da prática, e está cuidando mais dos
residentes.”. (DSC, entrevista/diretor da EFSFVS).
“O preceptor de território está vinculando muito seu
processo de trabalho a um processo formal da residência, no qual se tem que entregar trabalho, cumprir
carga horária, mais do que ao acompanhamento do
processo de trabalho que está acontecendo no território...(DSC, entrevista/diretor da EFSFVS).

Para alguns dos sujeitos da pesquisa, os preceptores de território atuam junto às equipes, fazendo
com que estas sejam cada vez mais autônomas. Mas
atuariam menos junto aos residentes e teriam pouca
informação sobre os acontecimentos da residência
como um todo. Muitos participam apenas das reuniões de roda nas UBSF, existindo, assim, diversos
tipos de atuação entre os preceptores de território.
Observam os entrevistados, a este respeito:
“Estes profissionais dispõem de pouco tempo para
a atividade da preceptoria no território, têm outros
compromissos, outras atribuições. Acompanham
muito pouco o residente na área, sendo esta uma
das suas tarefas. Alguns estão pouco informados
sobre o desenvolvimento da residência. Existe
preceptor de território em relação à UBSF, mas não
para os residentes. Os preceptores de território, na
maioria das vezes, estão nas UBSF somente na
reunião de roda.” (DSC, grupo focal/gerentes).

Observou-se que tais diferenças nas percepções
dos grupos pesquisados ocorrem em virtude da pouca clareza sobre a função deste profissional, com as
inúmeras discussões e redefinições no seu modo de
atuar, próprias de uma função nova. Os dirigentes,

mais próximos da (re)estruturação da função do
preceptor de território, enfatizam a mudança neste
processo (preceptor de território mais próximo dos
residentes e das equipes de SF). Entretanto, os gerentes que vivenciam a atuação do preceptor ainda
não evidenciam na prática esta aproximação do
preceptor de território com os residentes. De maneira geral, parece existir um movimento no sentido
do preceptor de território simultaneamente atuar
junto às equipes de saúde e se aproximar mais da
residência e dos residentes.
Os preceptores de território definem como
atribuições de sua função: ser um facilitador da
construção do processo de trabalho da equipe de
saúde como um todo e da estruturação da ESF no
território, atuando de maneira intersetorial e interdisciplinar na equipe. problematizar, refletir sobre
as concepções teórico-vivenciais da promoção da
saúde, da educação permanente, sobre as políticas
públicas locais e ser um pedagogo, um articulador,
um educador. Como reflete o grupo:
“A função é de problematizar, refletir e aprofundar
a concepção de promoção da saúde, educação permanente no território, sobre a política local para
a produção de saúde. Facilitar a construção do
processo de trabalho da equipe e da estruturação
da proposta da estratégia saúde da família no
território, trabalhando de maneira intersetorial
e interdisciplinar na equipe. Sendo um pedagogo,
um articulador, animador, um educador. Deve
criar, estimular, aprofundar para que os referenciais teóricos sejam factíveis na prática, levando
a um desempenho profissional mais eficaz e feliz.”
(DSC, questionários/preceptores de território da
EFSFVS).

Os residentes afirmam que a função do preceptor
de território é a de atuar junto aos residentes no
acompanhamento das atividades dos módulos da
residência, acompanhar a equipe como um todo e
apoiar na formação-capacitação dos profissionais
diante das dificuldades. Nas palavras deles:
“Facilitar a inserção e o desenvolvimento das ações
dos residentes, acompanhando nas atividades dos
módulos e no desenvolvimento do seu trabalho. Acompanhando a equipe como um todo: em seus problemas,
dificuldades, ações; participar da organização do

serviço, planejamento das ações; orientar as atividades voltadas para os riscos da área; acompanhar os
grupos da área, tendo vínculo, conhecendo o território, com uma visão ampliada e crítica, ajudando no
crescimento pessoal e profissional da equipe” (DSC,
questionários/ residentes da EFSFVS).

Assim, a função do preceptor de território compreende variadas vertentes, a saber: ser um educador é um cuidador na saúde; ser o responsável pela
educação permanente dos profissionais, dentro da
perspectiva da promoção da saúde; cuidar do residente na sua formação e atuação no território e das
questões referentes à residência; cuidar da equipe,
como um todo e de seu processo de trabalho, de
gestão, bem como dos conflitos interpessoais e das
outras dificuldades encontradas no território.
Em relação às competências obteve-se, entre
todos os atores ouvidos neste estudo, respostas
variadas, embora complementares. Por exemplo,
quanto aos conhecimentos teóricos necessários,
estes devem abranger: a saúde coletiva (módulos
da residência, política pública, território, processo
de trabalho, comunicação); as ciências humanas
(sociologia, antropologia, psicologia) e as sociais
(produção social da saúde, sociedade e Estado), além
de metodologia de pesquisa e de problematização.
Nas palavras desses profissionais:
“Os preceptores de território devem ter conhecimentos sobre saúde coletiva, políticas públicas, sociedade e Estado, antropologia, sociologia, relações
humanas, psicologia, método de problematização,
território, produção social da saúde, processo de
trabalho, organização de serviço e comunicação.
Ter visão sistêmica sobre a comunidade e a família...” (DSC, questionários/ preceptor de território
da EFSFVS).

Na opinião de todos os grupos pesquisados, o
preceptor de território precisa ter o domínio conceitual (conhecimentos) sobre todos estes temas, mas
não precisa ser um especialista em cada um destes
assuntos. Quanto aos conhecimentos exigidos estes
deveriam ter como focos a comunidade, as famílias,
as redes sociais, os serviços de saúde do município,
a equipe de saúde da família (papel e função de
cada categoria, de cada trabalhador da equipe), o
gerenciamento, a organização e o funcionamento

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da UBSF, aspectos traduzidos nos depoimentos que
se seguem:
“O preceptor de território precisa conhecer muito a
comunidade, o território, as redes sociais, a equipe,
Saber qual é o papel e a função de cada categoria,
de cada profissional na equipe. Conhecer todos os
módulos da residência. Saber sobre a política de
saúde que temos hoje, entender a proposta da promoção da saúde. Ter conhecimentos amplos, mas
não precisa ser um especialista em cada tema” DSC,
grupo focal/ gerentes).
“...conhecer sobre o planejamento das ações da
UBSF, organização de serviço, saber sobre funcionamento e de todo atendimento na atenção básica,
multiprofissional e multidisciplinar. Conhecer toda
a equipe (seu comportamento, compromisso, defeitos, virtudes)...Conhecer a realidade e a dinâmica
do território; das famílias, dos problemas da equipe, da UBSF. E sobre seu papel no território” (DSC,
questionários/ residentes da EFSFVS).

Em relação às habilidades, parece ser fundamental que eles saibam trabalhar em equipe. Os
preceptores de território devem acompanhar as
atividades desenvolvidas no território tanto pelos
residentes em formação como pela da equipe de saúde; ter domínio sobre o desenvolvimento da residência como um todo, para acompanhar os residentes
nas questões solicitadas pela residência; possuir
habilidades para trabalhar com a aprendizagem
significativa por meio da problematização, e realizar síntese entre teoria e vivência, possibilitando
transformações nos espaços de trabalhos; serem
educadores em saúde e apoiar pedagogicamente os
profissionais. Para isto, devem saber trabalhar fundamentalmente em equipe, mediando conflitos e as
demais relações entre os membros e os residentes.
Ademais, devem saber conduzir as reuniões de equipe e com os grupos na comunidade, com habilidades
para trabalhar nas instâncias de serviços, gestão,
docência e investigação. São aspectos enfatizados
em vários depoimentos, como se vê a seguir:
O preceptor de território precisa ter habilidade para
trabalhar junto aos profissionais, amadurecendo
as idéias de cada um na construção de saberes para
o SUS. Capacidade de articular e mobilizar conhecimentos colocando-os em ação, ....Valorizando as
102 Saúde Soc. São Paulo, v.21, supl.1, p.94-106, 2012

pessoas e os resultados. Fomentar na equipe a necessidade de fazer estudo de casos. Saber trabalhar
em equipe, escutar, ser solidário, ter compreensão de
contexto, problematizar e ser curioso. Ter paciência
pedagógica, ter habilidade para conduzir situações
conflituosas e para trabalhar com as relações
interpessoais” (DSC, questionário, preceptor de
território da EFSFVS).
“Os preceptores de território devem saber conduzir
reuniões, saber unir a prática do território com a
teoria dos módulos da residência. Devem estimular a integração da equipe... ter bom diálogo com
a comunidade. Participar nas atividades de grupo
existentes nos territórios.Utilizar os dados da vigilância à saúde com a programação das atividades
de promoção da saúde. Prestar apoio pedagógico em
todos os espaços.” (DSC, questionários/residentes
da EFSFVS).
“O preceptor de território deve ter habilidades
para buscar soluções juntamente com a equipe
para as dificuldades encontradas no território
relacionadas ao: planejamento, organização do
serviço, a epidemiologia, a educação em saúde, entre outras. Deve saber fazer da unidade um espaço
pedagógico. Saber facilitar a reunião de equipe.
Ajudar o residente no desenvolvimento das suas
atividades no território, integrando-o à equipe e à
comunidade” (DSC, questionário/especialistas em
saúde da família).

Segundo os dirigentes da entidade de ensino, o
principal atributo é saber trabalhar com as pessoas,
com suas relações e conflitos, saber dialogar, ouvir
e falar, com habilidades para propiciar a todos o
acesso ao conhecimento e as condições de realizar a
reflexão a partir da prática. O preceptor de território
não precisa ter necessariamente o domínio conceitual de todos os temas, no entanto deve possuir uma
compreensão maior da ESF, da saúde coletiva, do
processo educativo de construção de trabalho em
equipe. Deve, também, conhecer toda a equipe de
saúde, a UBSF, as situações de saúde e do território.
Deve ter habilidades para a formulação de políticas
públicas, além de ser um educador na saúde e um
facilitador do processo de trabalho integrado ao
ensino. Na visão desses dirigentes educacionais:
“O preceptor de território tem de ser o formulador de

políticas públicas, um educador na área da saúde
coletiva, saber trabalhar o ensino em serviço. Ele deve
ter uma compreensão maior de saúde coletiva e de
um processo educativo de construção de trabalho em
equipe. É necessário que ele saiba trabalhar diretamente com as pessoas, com as suas dificuldades, com as
relações de conflitos......O preceptor de território tem
de desenvolver mais as habilidades e as atitudes
(saber trabalhar com as relações, saber mobilizar,
saber dialogar, saber ouvir e falar, com uma postura
ativa) do que o conhecimento (cognitivo). Ele não
precisa necessariamente ter o domínio conceitual
de todos os conhecimentos necessários para a
equipe, mas ele deve ter habilidade para fazer com
que todas as pessoas tenham acesso ao conhecimento e realizem a reflexão sobre a prática” (DSC,
entrevistas/ diretores da EFSFVS).

No que se refere às relações, foi observado que o
preceptor de território deve desenvolver uma harmônica, honesta, participativa, de apoio, de segurança,
de confiança, íntegra e com vínculo. O preceptor deve
fazer parte da equipe de saúde e não somente participar pontualmente de vivências no território. Deve
adotar uma postura problematizadora, dialógica e
participativa e, ao mesmo tempo, ser um educador,
apoiador dos profissionais e residentes no território.
Como ilustrado nas falas seguintes:
“O preceptor de território deve desenvolver uma
relação de apoio e partilha dos problemas, relação
educativa, reflexiva, dialógica e não autoritária,
harmoniosa, de confiança, de solidariedade, com
vínculo de amizade, confiança, cooperação e convivência....relação de partilha de experiência onde
o saber de cada um está em função do crescimento
e transformação do processo de trabalho dos
indivíduos e ou do grupo, como um educador que
faz junto, impulsionando a equipe, o residente e a
comunidade, respeitando o ritmo e o tempo de cada
um”. (DSC, questionário/preceptor de território da
EFSFVS).
“O preceptor deve ter uma relação clara, honesta,
transparente, ter vínculo.... deve ir na UBSF para
motivar, renovar a força, a energia, o ânimo da
equipe....” (DSC, grupo focal/gerentes).
“........O preceptor de território deve estimular a
união, o trabalho mútuo e participativo. Deve ter

compromisso, transmitir segurança...tem que motivar, interagir, estar inserido na equipe de saúde....ter
uma relação íntegra, responsável, comprometido,
compromissado, fazendo parte da equipe” (DSC,
questionários/residentes da EFSFVS).
“Relação de coleguismo, parceria, sendo mais um
componente da equipe...tratando todos com a mesma importância, independente de ser residente ou
de determinada categoria profissional” (DSC, questionários/especialistas em saúde da família).

Ao ser levantado como estaria ocorrendo o acompanhamento das atividades propostas nos módulos
teóricos pelos preceptores de território, percebe-se
algumas maneiras disso acontecer, nas quais cada
preceptor se organiza dentro da sua realidade e da
realidade do território.
Para os preceptores de território e residentes, o
acompanhamento era feito por meio de discussões
com os residentes no território, com toda a equipe
no momento da reunião de roda ou pela participação
quando da realização da atividade. Mas tal acompanhamento não resulta de que todas as atividades
sejam acompanhadas por todos os preceptores. Os
residentes, por exemplo, percebem que os preceptores de território têm conhecimentos e acompanham
algumas atividades solicitadas na residência, mas
não todas, como se denota nos depoimentos mostrados a seguir:
“O acompanhamento das atividades era realizado
através: do apoio à aplicação prática das tarefas
propostas pelos módulos no território, estando presentes no território, intervindo, problematizando,
estimulando e discutindo com os residentes.... através do envolvimento da equipe com os residentes
nas atividades e na busca de novos conhecimentos.
Em discussão nas reuniões de roda. Em momentos
isolados somente com os residentes ou em grupos....
da participação em algumas atividades junto com
os residentes.Quando ocorria a avaliação era realizada através de uma reunião, prévia, com o grupo,
em que se discutiam os critérios e as formas mais
adequadas de avaliar. Depois tentava agregar o
que cada um adquiriu de conhecimento e prática. A
nota normalmente era homogênea, sobre o que foi
acordado com o grupo anteriormente”. (DSC, questionários/preceptor de território da EFSFVS).
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“Os preceptores de território acompanhavam através de discussões sobre as atividades no território
(tiravam dúvidas, comentavam, corrigiam, orientavam e cobravam as conclusões dos trabalhos).
O espaço privilegiado para as discussões era a
reunião de roda. Ocorria também o acompanhamento durante o desenvolvimento, pelo residente,
da atividade no território....” (DSC, questionários/
residentes da EFSFVS).

profissional no seu processo de trabalho e há os que
acompanham de forma esporádica, apenas quando
solicitados.
Quanto ao acompanhamento da atuação dos profissionais no território, existe diferença de preceptor
para preceptor. Uns acompanham efetivamente o
fazer da equipe junto com os residentes; alguns
acompanham esporadicamente. Os depoimentos
abaixo demonstram tal variação:

O mesmo, porém, não ocorreu, no inicio da implantação da preceptoria, com os especialistas em
saúde da família, em seu período de formação, pois
para eles, os preceptores de território atuavam de
maneira diferenciada: de modo geral, eles não acompanhavam o residente diretamente na realização
das atividades dos módulos teóricos, mas apenas,
esporadicamente, na reunião da roda. Todos os especialistas eram profissionais que já trabalhavam nas
UBSF e fizeram a residência, diferentes das outras
turmas, em que os profissionais entraram na residência foram trabalhar nas UBSF. Como disseram
esses atores:

“A atuação profissional do residente está sendo
acompanhada através dos momentos na UBSF e
na comunidade, sendo acompanhados o residente
e a equipe juntos....Mas não se discutem todas as
atividades da prática, o que mais discutido são os
trabalhos dos módulos e os problemas prioritários
do território. Em muitos momentos não se consegue
sistematizar uma discussão e terminar, pois o
processo do território é muito dinâmico.....”(DSC,
questionários/preceptores de território).

“Nesta época os preceptores de território não estavam
trabalhando especificamente no acompanhamento
e avaliação das atividades dos módulos. O acompanhamento, quando ocorria, era realizado junto com
as questões da equipe de saúde, na reunião de roda e
na UBSF. Muitos residentes não tiveram preceptor de
território na sua UBSF no seu período de formação”
(DSC, especialistas em saúde da família).

Em relação ao acompanhamento da atuação dos
profissionais no território pelo preceptor, percebese pelo relato dos preceptores de território que o
acompanhamento ocorre junto aos residentes e à
equipe, pois a maioria dos trabalhos desenvolvidos
pelos residentes envolve toda a equipe. Neste caso,
são acompanhados, principalmente, os problemas
prioritários do território e os trabalhos dos módulos dos residentes. Para os residentes, alguns
preceptores de território acompanham os residentes
nas questões relativas à atuação profissional no
território, de maneira satisfatória. Alguns, todavia,
não acompanham ou acompanham muito pouco e
atuam mais com a equipe, na reunião de roda. Para
os especialistas em saúde da família, há o preceptor
de território que acompanha sistematicamente o
104 Saúde Soc. São Paulo, v.21, supl.1, p.94-106, 2012

“....quanto a atuação não está ocorrendo de forma
satisfatória é realizada uma discussão entre o
residente e o preceptor de território ou é levado o
problema para se discutir coletivamente na reunião
de roda. O preceptor de território ajuda a resolver
os problemas do cotidiano, participa das ações
coletivas, orienta e solicita a participação das categorias em atividades extra.Mas isto não ocorre
em todas as UBSF, nem com todos os preceptores
de território......” (DSC, questionários/residentes
da EFSFVS).
“Os preceptores de território acompanham as
atividades de articulação de grupos, estratégias
de promoção da saúde, organização do serviço,
acompanham na articulação interdisciplinar com
a equipe no território e na reunião da roda...Mas
há UBSF que o preceptor de território acompanha
em alguns momentos....quando é solicitada a sua
presença ou raramente nas reuniões de roda....” (DSC,
questionário/ especialista em saúde da família).

Em relação aos espaços e momentos de encontro
do preceptor de território com residentes e especialistas, sobressaem os momentos da reunião de roda
nas UBSF, mas existem outros momentos menos
regulares, como em reuniões extras, nas atividades do
território, durante o módulo da residência e em horários agendados, conforme os depoimentos a seguir.

“O espaço privilegiado para os encontros é a reunião de roda da equipe. Ocorrem conversas, reuniões
extras para discutir as dificuldades do módulo ou
do território, com a equipe, com o residente......em
visitas domiciliares, no acolhimento. Encontros
com os residentes no horário da preceptoria de
especialidade, em atendimento em conjunto, atividades em grupos e durante os módulos da residência. Mas o tempo é insuficiente para encontros
com os residentes” (DSC, questionário /preceptor
de território).
“O espaço em que ocorre sistematicamente o encontro com o preceptor de território é a reunião
da roda. Ocorrem também outros momentos como
reuniões extras....por telefone.....reuniões entre
categorias e preceptor de território” (DSC, questionário/residentes).

Os resultados obtidos demonstram, assim, que
a preceptoria de território surge para trabalhar
com uma nova maneira de formar e capacitar os
profissionais de saúde para atuarem na ESF, em
um modelo de gestão participativa, mediante metodologia pedagógica da educação permanente em
saúde no território.

Considerações Finais
Todos os pesquisados ressaltaram a importância
da presença deste profissional no território para
acompanhar a equipe e os residentes. Sentem falta
do preceptor no território para apoiar mais amplamente, além dos momentos da roda. Consideram
essencial contar com um profissional que trabalhe
com a aprendizagem significativa por meio da problematização no próprio território onde se encontram as dificuldades a serem resolvidas e para as
quais se exigem as devidas competências.
Apontaram, porém, que o preceptor de território
dispõe de pouco tempo para a preceptoria e nos territórios os espaços assegurados de sua participação
limitam-se geralmente aos momentos da reunião
de roda. Como evidenciado, a quantidade e a carga
horária são insuficientes para esta modalidade de
preceptoria.

A preceptoria de território surge para trabalhar
com uma nova maneira de formar e capacitar os
profissionais de saúde para atuarem no saúde da
família, em um modelo de gestão participativa.
A função do preceptor de território é ser um
educador e um cuidador: ser o responsável pela
educação permanente dos profissionais, dentro
da perspectiva da promoção da saúde, cuidar do
residente na sua formação e atuação no território
e das questões referentes à residência; como também cuidar da equipe de saúde em que o residente
esta inserido.
O papel dos preceptores de território ainda está
em construção, embora já se observem muitos resultados favoráveis, de acordo com os quais perceber a
importância destes profissionais como educadores
na construção do SUS.

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Recebido em: 27/04/2011
Aprovado em: 25/10/2011

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