Formação para o SUS e os Desafios da Integração Ensino Serviço

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                    Formação para o SUS e os Desafios da
Integração Ensino Serviço
Education for the SUS and The Challenges of Service-Learning
Integration
Maria Teresa Pereira CavalheiroI / Alóide Ladeia GuimarãesII
palavras-chave: Sistema Único de Saúde; Educação; Serviços de Saúde; Pessoal de Saúde.
keywords: Unified Health System; Education; Health Services; Health Personnel.

CONTEXTUALIZANDO O CAMPO
TEMÁTICO: O SISTEMA ÚNICO DE
SAÚDE E A POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE
RECURSOS HUMANOS
A partir da década de 90, com a Constituição Federal
(CF) de 19881 e a publicação da lei 8080/902, que regulamentou o Sistema Único de Saúde (SUS), as discussões
sobre a formação dos profissionais de saúde foram intensificadas, uma vez que, desde que foi criado, o SUS
provocou profundas mudanças nas práticas de saúde,
impondo alterações significativas no processo de formação e desenvolvimento dos profissionais da área. Considerando-se que o SUS é o maior mercado de trabalho
em saúde no Brasil, deve-se reconhecer que é no cotidiano dos serviços de saúde que o conhecimento ganha
materialidade como uma ação de produção da vida.
Do ponto de vista legal, compete à gestão do SUS o
ordenamento da formação de recursos humanos da área
da saúde, bem como o incremento, na sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico (CF,
art.200, III e IV). Além disso, a CF concebe como essencial para a implementação do Sistema, a definição de
uma política relacionada aos trabalhadores. O art. 27 da
lei 8080/90 reconhece que os serviços públicos que integram o SUS constituem campo de prática para o ensino

I
II

e a pesquisa, de modo a articular os interesses das Instituições de Educação Superior (IES) e do SUS, com vistas
à melhoria da qualidade do atendimento à população.
Segundo Lima e Feuerwerker3, “nos últimos anos,
tem havido, de maneira diferenciada entre as várias profissões da saúde, uma progressiva mobilização em torno
da mudança da formação”. Como exemplo deste movimento, em 2001 e 2002, a Rede Unida e a Associação
Brasileira de Educação Médica (ABEM) elaboraram o
Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares para as
Escolas Médicas (PROMED), cujo lema era “Uma nova
escola médica para um novo sistema de saúde”. Foram
selecionadas 20 escolas que passaram a receber, a partir
de 2003, recursos financeiros para o desenvolvimento
das atividades. O Termo de Referência do Programa,
que inspirou políticas na área, explicitava três eixos para
o desenvolvimento das mudanças: orientação teórica,
abordagem pedagógica e cenários de prática4.
Considerando que não estava sistematizada a experiência acumulada em relação à construção de processos
de mudança e a necessidade de implantar uma política
voltada para a questão dos recursos humanos no SUS,
instituiu-se, no Ministério da Saúde, o Departamento de
Gestão da Educação na Saúde (DEGES), da Secretaria de
Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES),
que propôs a criação de uma política nacional de forma-

Fonoaudióloga; Mestre; Docente e Integradora Acadêmica da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Enfermeira Sanitarista; Coordenadora do Centro de Educação dos Trabalhadores da Saúde, Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, SP, Brasil

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ção e desenvolvimento para o conjunto dos profissionais
da saúde, que incluiu: os pólos de educação permanente;
a certificação dos hospitais de ensino; o AprenderSUS,
o VerSUS, o Pró-Saúde, e as Residências Multiprofissionais. Esta política visa implementar processos com capacidade de impacto no ensino, na gestão setorial, nas
práticas de atenção e no controle social em saúde. Além
disso, as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos
de Graduação na Área da Saúde, definidas para todos os
cursos desta área, apontam que “a formação do profissional deve contemplar o sistema de saúde vigente no
país, a atenção integral da saúde num sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contrarreferência e
o trabalho em equipe”5.
O AprenderSUS6, lançado em julho de 2004, foi um
marco na relação entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, que apresentaram, como parte
desta política de compromissos do SUS com o ensino de
graduação, mais um passo na construção de relações de
cooperação entre o sistema de saúde e as Instituições de
Ensino Superior (IES). A proposta tinha como eixo o ensino-aprendizagem sobre o SUS, propondo como questão aos docentes e estudantes o aprender sobre o SUS
na universidade (conhecer e apropriar-se do sistema de
saúde vigente no País, compreender e conquistar o trabalho em equipe multiprofissional de saúde e defender
e construir a atenção integral à saúde), colocando em
negociação, diferentemente do que atualmente se observa, as relações entre gestores do SUS e os docentes
e estudantes da saúde. No presente, estas relações se
resumem à integração ensino-serviço, podendo passar a
enfocar ensino, serviço, gestão setorial, controle social e
efetivo contato e respeito aos usuários.
Dois objetivos emergiram como essenciais para esta
política: (1) fortalecimento da articulação entre as instituições formadoras e os serviços e sistemas de saúde
e (2) fortalecimento e ampliação dos processos de mudança da graduação de modo a formar profissionais com
perfil adequado às necessidades de saúde da população
e do sistema único de saúde.
Com a reorganização administrativa ocorrida no Ministério da Saúde, em junho de 2005, foram definidas novas
estratégias para a política de formação e desenvolvimento para o SUS. Dentre estas, o Programa Nacional de
Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e o Programa de Educação pelo Trabalho para a

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Saúde (Pet-Saúde), que gradativamente foram incorporando os cursos de graduação de: Biologia, Biomedicina,
Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia,
Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia
Ocupacional, relativos às 14 profissões da área da saúde,
reconhecidas pelo Conselho Nacional de Saúde7, como
recurso humano da saúde, com formação universitária.
Em continuidade à proposta de reorganização, em
agosto de 2007, foi publicada a portaria 19968, que definiu novas diretrizes e estratégias para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em
Saúde no país. Esta portaria propôs para a Política de
Educação Permanente um caminhar mais atrelado às diretrizes operacionais da gestão do SUS e ao regulamento do Pacto pela Saúde. No Artigo 2º foi declarado que
“a condução regional da Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde dar-se-á por meio dos Colegiados de Gestão Regional (CGR), com a participação das
Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço
(CIES)”8. Assim, além de inserir a Política de Educação
Permanente na vida das instituições, delegando o espaço decisório aos (CGR), esta portaria, oficializou as CIES
como um importante espaço de articulação interinstitucional para a integração ensino-serviço. Sem considerar
aspectos de juízo, sem sombra de dúvida, em muitos locais do país, esta foi uma importante medida para que
todas as ações indutoras de formação de recursos humanos para o SUS avançassem no que tange à integração
ensino-serviço como condição de implantação e manutenção destas ações.
Porém, embora a definição destas políticas voltadas
para a formação dos recursos humanos para o SUS represente avanço significativo, sua implementação enfrenta enormes desafios, relacionados a diversos fatores.
Como aponta Oliveira9, estamos vivendo mudanças na academia e nos serviços de saúde, decorrentes de transformações sociais, vinculadas à estrutura
demográfica e epidemiológica da população, que têm
impacto nas necessidades e demandas de saúde. Segundo a autora, apesar das dificuldades enfrentadas,
os serviços respondem mais rapidamente a este novo
cenário, pois a pressão da sociedade se faz sentir diretamente no espaço das práticas.
Quanto às dificuldades da academia, aponta: dificuldade de encontrar professores para este novo

Desafios da Integração Ensino Serviço

enfoque de ensino-aprendizagem; a atenção básica
considerada como um cenário marginal para ensino-aprendizagem; dificuldade para aprendizagem conjunta das diferentes profissões; resistência dos estudantes; incipiente participação social da comunidade.
No serviço, as dificuldades podem estar relacionadas à resistência dos profissionais, pois a formação
não faz parte da agenda de trabalho (“não recebem
para ensinar”). Além disso, há problemas na estrutura
física das unidades; resistência da população à presença do estudante no serviço; temor dos profissionais
do serviço de que as fragilidades sejam identificadas,
entre outras.
Os dois conjuntos de dificuldades sugerem que a
prática pedagógica, nos serviços reais do SUS, pressupõe o encontro de diferentes atores (gestores, profissionais, população, docentes, discentes) para que a
proposta seja construída coletivamente, a fim de atender diferentes necessidades e demandas da academia
e serviço.
Oliveira9 refere algumas propostas para superação
deste problema como a sensibilização do gestor; parcerias formais, através de convênios entre academia
e serviço, que definam papéis e responsabilidades das
partes; negociação permanente; implantação de gratificação de ensino para profissionais, entre outras.
Observa-se pouca participação dos alunos e da população nestas instâncias de definição das parcerias e
principalmente na pactuação das ações. Além disso,
seria muito “educativo” (no sentido do exercício da
cidadania e da democracia) que os representantes da
academia (gestores, docentes e discentes) participassem efetivamente do Controle Social (Conselho Local ou Municipal de Saúde), para aprender a ouvir os
saberes e desejos da população e refletir sobre seu
papel / projeto.

CENÁRIOS DE APRENDIZAGEM E A
INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO
Considerando a Universidade como lócus privilegiado
para reflexão e construção de conhecimento, que devem
orientar seu projeto político-pedagógico a fim de atender às questões de relevância social, este manuscrito visa
relatar e analisar a experiência de formação de profissionais da saúde, em desenvolvimento na abrangência do

SUS-Campinas, definida por uma Política de Integração
Ensino-Serviço (PIES), coordenada pelo Centro de Educação dos Trabalhadores da Saúde (CETS), da Secretaria
Municipal de Saúde (SMS). As atividades de ensino, pesquisa e extensão do Centro de Ciências da Vida (CCV),
da PUC-Campinas, são desenvolvidas na universidade,
no Hospital Universitário e na rede de serviços de saúde
da Prefeitura de Campinas.
A Integração Docente-Assistencial (IDA) em saúde
é proposta que vem se desenvolvendo desde a década
de 60 no Brasil, para diversificar os cenários de aprendizagem. A IES, como partícipe desta história, iniciou
a IDA em 1981 instalando quatro Unidades Básicas de
Saúde (UBS’s) próprias, para servir de campo de estágios que, a partir de 1986, foram sendo integradas à
rede municipal de saúde. Com o objetivo de fortalecer
a relação entre as IES e o Sistema de Saúde, a SMS e
as IES contam com um Termo de Cooperação que prevê o desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa
e extensão em unidades de saúde. A maior parte dos
estágios / atividades se desenvolve em um Distrito de
Saúde, preferencialmente, em três Unidades Básicas de
Saúde consideradas de parceria plena, que pertenciam
à Universidade. Nestas UBS’s, as IES participa com parte do mobiliário, equipamentos e material de consumo,
transporte para atividades assistenciais e a contratação
de quatro funcionárias (auxiliares de enfermagem) em
cada serviço. Conta ainda com estrutura administrativa
na Universidade e o apoio de três docentes Integradores
Acadêmicos na UBS (com 6 horas semanais por UBS),
um Integrador Acadêmico para articular as demandas
das unidades de parceria plena e um Integrador Acadêmico, para as relações externas da Política de Integração
Ensino-Serviço.
Os integradores acadêmicos têm o papel de promover a integração ensino-serviço, multiprofissional e
interdisciplinar, compatibilizando as necessidades pedagógicas, de pesquisa e extensão das IES com o modelo assistencial vigente, e de cuidar das condições para
a efetivação dos projetos pedagógicos das Faculdades
do CCV, que agrega os cursos de Ciências Biológicas,
Ciências Farmacêuticas, Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Odontologia, Psicologia e Terapia Ocupacional. Além das atividades nestas
três UBS’s, o Termo de Cooperação prevê a distribuição
de alunos em outras unidades, a partir de negociações

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com o Distrito de Saúde e coordenadores de serviço da
prefeitura, fortalecendo a relação ensino-serviço. Realizam-se nestes espaços atividades práticas e teórico-práticas das Faculdades do CCV, buscando cumprir a
diretriz da multiprofissionalidade e interdisciplinaridade.
O novo Termo de Cooperação prevê a inserção dos cursos de Educação Física e Serviço Social, que funcionam
em outro campus, na rede de serviços de saúde. Preferencialmente, realiza-se em conjunto o planejamento
das atividades com a participação de representantes das
faculdades, coordenadores e responsáveis dos serviços,
membros do Distrito de Saúde Noroeste e do CETS/
SMS. Os docentes e discentes participam de reuniões
de equipe, do Conselho Local e do Conselho Gestor das
unidades, o que possibilita o exercício da cogestão e a
reflexão sobre os papéis assumidos pelos atores da academia e do serviço.
Considerando a necessidade de ampliar a participação
da universidade nas políticas de formação de recursos
humanos para o SUS, as IES foram contempladas com
recursos do Pró-Saúde e, mais recentemente, do Pet-Saúde, que contou com a participação da maioria dos
cursos da área da saúde.
Levando em conta o cenário apontado acima, tanto
interno quanto externo às IES, e reconhecendo que o
momento atual favorece e estimula a reflexão sobre a
necessidade de integração do processo ensino-aprendizagem à rede de serviços de saúde, têm sido realizadas,
periodicamente, oficinas de Integração Ensino Serviço,
que dispõem numa roda os diversos atores envolvidos
neste processo, docentes, discentes, gestão dos serviços, trabalhadores e usuários, de onde emanam várias
sugestões para revisão do nosso caminhar.

DIAGNÓSTICO DE INSERÇÃO NO SUS
CAMPINAS
A caracterização da formação dos profissionais de
saúde da PUC-Campinas, no SUS-Campinas, foi obtida
pela análise da planilha de pactuação de estágios, com
o CETS / SMS, que coordena a Política de Integração
Ensino-Serviço de Campinas, com o objetivo de aproximação entre as Instituições de Ensino Superior (IES)
e o SUS. Semestralmente, nos meses de maio e outubro, a universidade solicita, por meio de um banco de
dados, num sistema informatizado, as atividades que

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serão desenvolvidas no semestre seguinte. As informações apresentadas a seguir são resultado de um Projeto
PET-Saúde, aprovado a partir do edital Nº 12 de 2008 e
desenvolvido de abril de 2009 a abril de 2010, vinculado
ao Pró-Saúde (Programa Nacional de Reorientação da
Formação Profissional em Saúde).
Para o desenvolvimento desse projeto, foram constituídos quatro núcleos de tutoria, com a participação de
24 preceptores e aproximadamente 180 alunos, monitores e participantes. O núcleo de tutoria no qual este
estudo se insere, constituído por alunos dos cursos de
Enfermagem, Fonoaudiologia, Medicina de Nutrição,
contribuiu para o projeto de pesquisa “O ensino no
Sistema Único de Saúde (SUS) na perspectiva dos sujeitos envolvidos na docência e assistência”, aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-Campinas.
O objetivo deste estudo foi caracterizar a formação dos
profissionais de saúde da PUC-Campinas, na Atenção
Básica, através da análise da planilha de pactuação de
estágios, com o Centro de Educação dos Trabalhadores
de Saúde (CETS), da Secretaria Municipal de Saúde de
Campinas. Neste estudo, foram analisadas as planilhas
consolidadas da pactuação dos estágios entre o CCV
da PUC-Campinas e o CETS/SMS, relativas ao ano de
2009, a partir das quais se obtiveram as seguintes informações: (1) Quanto ao número de unidades: foram
oferecidas disciplinas em 21 unidades da Rede Municipal
de Saúde de Campinas, sendo 16 de atenção primária
em saúde, duas de pronto atendimento, duas de saúde
mental e uma de referência em saúde do trabalhador,
além de uma disciplina que se desenvolveu junto à gestão de um Distrito de Saúde; (2) Número de disciplinas: foram distribuídas nestas unidades, 109 disciplinas.
Houve concentração de disciplinas em quatro unidades,
sendo três delas de parceria plena; (3) Período do curso de inserção das disciplinas: na maioria dos cursos o
ingresso do aluno na rede pública ocorre a partir do 4º
semestre do curso, mas há inserção de duas Faculdades
no primeiro ano, assim como uma no último ano; (4)
Número de Cursos por Unidade de Saúde: há concentração de quatro a oito cursos, em quatro unidades de
saúde, sendo três delas consideradas de parceria plena;
em seis unidades há a presença de dois cursos e em
onze unidades, apenas um curso.
A distribuição dos estágios na rede pública de saúde
de Campinas pode ser visualizada no mapa a seguir.

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Desafios da Integração Ensino Serviço

PONTENCIALIDADES E DESAFIOS:
CONSTRUINDO NOVOS HORIZONTES
As oficinas de avaliação e planejamento entre as IES
e a SMS têm como objetivo contribuir para o fortalecimento da Integração Ensino-Serviço. Com o envolvimento de representantes das IES (gestores, docentes e
discentes) e da Prefeitura / SMS (gestores, trabalhadores
e usuários) os debates fornecem subsídios para operacionalização das mudanças necessárias, contribuindo para
transformar a organização dos serviços e os processos
formativos, visando uma prática de qualidade e a implementação dos princípios e das diretrizes constitucionais
do SUS. Nestes encontros, busca-se: identificar fatores
positivos que facilitam as ações de integração ensino-serviço na perspectiva de diferentes atores (gestores,
docentes e discentes das IES, gestores e trabalhadores
da Secretaria Municipal de Saúde e usuários); identificar
obstáculos que dificultam a articulação ensino-serviço,
na perspectiva desses diferentes atores e apontar estratégias para superação das dificuldades, o aprimoramento
e o fortalecimento da parceria ensino-serviço. A escolha
pela oficina de trabalho ancora-se no pressuposto de que
esta é um processo em que a participação e a reflexão
de todos são requisitos fundamentais para a construção
coletiva de conhecimento. Ela se diferencia das metodologias tradicionais, pois pressupõe relações horizontais
e democráticas10. Trata-se de um local de trabalho em
que as pessoas refletem sobre as suas vivências, elaboram questões e procuram solução, compartilhando experiências, o que favorecerá a consecução dos objetivos
propostos. As oficinas têm sido organizadas numa dinâmica que envolve as seguintes fases: (1) Abertura – que
prevê pronunciamento dos gestores do serviço e das IES
com o objetivo de recepcionar e dar boas-vindas aos
participantes; (2) Palestra de aquecimento, para as atividades subseqüentes; (3) Esclarecimento da metodologia; (4) Trabalho em grupo, momento fundamental para
o alcance dos objetivos, com a presença de facilitadores
das IES e dos serviços e a indicação de um relator. Neste
momento, a partir das experiências individuais, surgem
vários temas que mobilizam os participantes, tocam nas
possibilidades e nos conflitos para surgir a contribuição
de cada um e construção de uma síntese do grupo; (5)
Plenária Final, momento em que os relatores expõem
as conclusões dos grupos para debate entre todos os

presentes, num painel que aponta propostas / diretrizes
e atores envolvidos para o processo de mudança e (6)
Avaliação da oficina.
As oficinas costumeiramente são palco para discussão
sobre aspectos cruciais da Integração Ensino-Serviço,
tanto relacionados a questões do cotidiano nos serviços,
quanto ao modo de operar das IES e SMS.
Na oficina realizada no primeiro semestre de 2010, a
opção foi propiciar uma discussão sobre aspectos relevantes naquele momento, quando os grupos discutiram
os seguintes temas: 1) Ações indutoras para a formação
de profissionais para o SUS; 2) Matriciamento Itinerante no Distrito Noroeste: é possível? é 3) A formação
em saúde para o trabalho em equipe. Como resultado, os grupos apontaram as seguintes potencialidades e
desafios:
1. Em relação às ações indutoras para a formação de
profissionais foram apontados como potencialidades os projetos Pet–Saúde e Pró-Saúde pois, proporcionam uma visão multiprofissional e interdisciplinar da atenção à saúde; uma mudança do olhar
dos estudantes sobre a Atenção Primária à Saúde
(APS); o trabalho em parceria ensino-serviço,
tutores-preceptores dos serviços; a possibilidade
de aprender pela troca de experiências entre os
estudantes de diferentes cursos e os docentes –
profissionais do serviço; a aprendizagem “in loco”,
a partir das informações e fatos ocorridos no cotidiano dos serviços; a possibilidade de bolsas para
estudantes / preceptores / tutores; a possibilidade de readequação física de algumas unidades; a
ampliação da possibilidade de desenvolvimento de
ações extra-curriculares; a qualificação da parceria
entre SMS e a Universidade, a partir dos projetos
indutores; a potencialização para criação da Liga
de Saúde da Família e a possibilidade de realização
do Internato na APS (5º e 6º ano).
Foram apontados como desafios: a necessidade
das IES de compreender que os serviços produzem conhecimento e de que a parceria com a Universidade qualifica esta produção; a importância
de ampliar o debate sobre os princípios, diretrizes e bases legais do SUS, envolvendo diretores
de curso, docentes, estudantes, profissionais da
equipe de saúde, constituindo espaços de discussão e troca de experiências, de forma a qualificar a

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implementação das mudanças curriculares; participação do serviço, de modo mais sistemático, no
processo de implantação, deliberação e acompanhamento dos Projetos desenvolvidos nas unidades de saúde, como reformas, compra de material
e atividades; dimensionar o número de estudantes
dentro dos serviços e manter articulação cotidiana para gerenciar as necessidades do serviço e
do ensino e buscar alternativas para os períodos
de recesso escolar, quando estudantes saem dos
serviços, de forma a gerenciar a demanda criada
pelas atividades acadêmicas.
2. Em relação às possibilidades do Matriciamento
Itinerante foram apontadas como potencialidades a ampliação na qualidade resolutiva da UBS,
com redução do número de encaminhamentos
para as especialidades; a redução do número de
cuidadores, de consultas médicas, do tempo de
tratamento e de espera na fila da especialidade e
a possibilidade de proporcionar visão ampliada do
processo saúde doença.
Quanto aos desafios foram referidos: necessidade de melhorar a comunicação entre UBS e a
Universidade; qualificar os processos de referência e contra referência, buscando superar questões
como tipo de contratação e vínculo do docente/
apoiador matricial com a equipe de referência da
UBS; revisão do número de médicos de família, às
vezes insuficiente para atender a demanda e participar do processo de matriciamento, e problemas
de espaço físico nas UBS para realização do matriciamento itinerante.
3. Em relação à formação em saúde para trabalho
em equipe foi referida a importância da implantação de novos serviços na Atenção à Saúde, como
Centros de Convivência, que favorecem ações
voltadas mais à saúde do que à doença do usuário.
Os desafios estão relacionados a diferenças na
organização dos currículos dos cursos envolvidos
nos cenários de prática, à forma de contratação de
alguns docentes, aos rodízios de turmas, à integração dos estudantes com as equipes; à falta de recursos humanos no serviço, à organização do processo de trabalho por produção, ao acolhimento
dos alunos por parte dos serviços e à incipiência
da Educação popular em saúde nos serviços.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A identificação das potencialidades e desafios na formação para o SUS é fundamental a fim de operar mudanças tanto no ensino como no serviço. Verifica-se
nos dados apresentados que é significativa a inserção
dos estudantes na rede pública de Saúde do Município.
Fortalecida por um instrumento formal, a parceria entre a universidade e a SMS tem contribuído na formação
voltada para a implementação dos princípios e das diretrizes constitucionais do SUS e favorecido experiências
de caráter multiprofissional e interdisciplinar. Por outro
lado, identifica-se que, em algumas situações, o contato
do estudante com o sistema ocorre num período avançado do curso ou por meio de uma única disciplina. A
definição das Diretrizes Curriculares Nacionais para os
Cursos de Graduação e a instituição da Secretaria de
Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES)
e do Departamento de Gestão da Educação na Saúde
(DEGES), que propõe uma política voltada para a questão dos recursos humanos no SUS, apontam que a Universidade necessita ampliar e aprofundar as discussões
sobre a formação profissional, particularmente na área
da saúde. Tradicionalmente circunscrito aos docentes da
área de saúde coletiva, o debate sobre a formação para
o SUS precisa incorporar os demais atores envolvidos
neste processo, com o objetivo de promover uma visão ampliada do Sistema Único de Saúde, que enfatize o
princípio da integralidade das práticas de saúde.
Apostar na possibilidade de construção do novo, investir no estabelecimento de relações horizontalizadas,
onde todo o produto e frutos são compartilhados, onde
não há uma academia que simplesmente se utiliza do
serviço como local de estágio, nem um serviço que se
utiliza do estudante como mera “mão-de-obra” tem
sido o esforço empreendido por quem está à frente do
trabalho de integração ensino-serviço. O produto desta
oficina nos revela que, apesar de árduo, o melhor caminho possível é este. Sabemos que ele não está pronto
e que os atores envolvidos vão reconstruindo-o a cada
processo negociado, a cada novo pacto estabelecido.
Caminhando vamos aprendendo que o desafio é o trabalho em ato, no cotidiano das relações e experimentações. E, como inspiração, finalizamos nos lembrando de
Guimarães Rosa11 “Caminhante não há caminho. Se faz
caminho ao andar”.

Desafios da Integração Ensino Serviço

REFERÊNCIAS
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2004;11(4):15-8.
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Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. AprenderSUS: o SUS e os cursos de graduação da área da saúde. Brasília:MS;
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7. Brasil. Ministerio da Saúde. Resolução CNS nº 287, de 8 de outubro
de 1998. Relaciona 14 (quatorze) categorias profissionais de saúde
de nível superior para fins de atuação no CNS: assistentes sociais,

biólogos, biomédicos, profissionais de educação física, enfermeiros,
farmacêuticos, fisioterapeutas; fonoaudiólogos, médicos, médicos
veterinários, nutricionistas, odontólogos, psicólogos e terapeutas
ocupacionais.
8. Brasil. Ministerio da Saúde. Portaria GM/MS nº 1996, de 20 de agosto
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Nacional de Educação Permanente em Saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 22 ago. 2007; Seção 1.
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11. Rosa G. Grande sertao: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 2001.

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