Metodologia do ensino na preceptoria da residência médica

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                    Metodologia do ensino na preceptoria da residência médica
Teaching methodology in the preceptorship of medical residency

Thelma L. Skare
Trabalho realizado para o capítulo do Manual do Preceptor de Residência Médica do CRM-PR.
Professora de Reumatologia do Curso de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná. Supervisora
da Residência de Reumatologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba.

"Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higéia e Panacéia, e tomo por testemunhas todos os
deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se
segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte..." (Juramento de
Hipócrates)

Resumo
Quase toda a atividade da Residência Médica se desenvolve em torno de três atores principais: o
paciente, o residente e o preceptor. O primeiro, como objeto de estudo e razão de todo o
treinamento proposto; o segundo, como aquele que busca aprender e desenvolver capacidades
técnicas e intelectuais que o capacitem a exercer a atividade profissional; e o terceiro como o
responsável pelo preparo profissional, ético e humanista do residente mas, também, pela
supervisão no atendimento prestado ao paciente.
Descritores: Internato e Residência; Metodologia; Tutoria; Aprendizagem.

Skare TL. Metodologia do ensino na preceptoria da residência médica. Rev. Med. Res., Curitiba,
v.4, n.2, p. 116-120, abr./jun. 2012.

INTRODUÇÃO
A figura do preceptor está presente na educação médica desde há muito tempo. Se a residência
médica como tal é reconhecida desde 1889, quando foi implantada na Universidade Johns Hopkins
por William Halsted, o aprendizado dos médicos mais jovens com aqueles de maior experiência é
reconhecido desde os primórdios da civilização quando a atividade de curar se iniciava de maneira
informal com o treinamento sendo orientado por um prático. No Brasil esta forma de pósgraduação iniciouse em 1944 com implantação da residência de ortopedia na Universidade de São
Paulo, seguida de perto pelo programa de residência do Hospital dos Servidores do Estado do Rio
de Janeiro, em 1948.
Diferentemente de outras situações, a residência médica é uma forma de treinamento em serviço,
ou seja, à medida que o residente se especializa nas diversas áreas da Medicina, ele presta
atendimento aos pacientes, em geral do Sistema Único de Saúde (SUS), e vêm se tornando, neste
aspecto, a grande responsável por esta forma de atendimento, quando, sob o olhar do preceptor,
responde por grande número de atendimentos na área pública de saúde.
Historicamente a figura do preceptor é a de um médico mais velho, com experiência profissional
reconhecida, de elevado padrão ético e que centra o aprendizado de seus estagiários em atividades
práticas. Ele é responsável pela inserção do profissional mais jovem no mercado de trabalho. O seu
papel tem crescido de importância à medida que se observa que muitas das escolas de Medicina

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deixaram de exercer a sua terminalidade, já que nem sempre fornecem todo o conjunto de
habilidades e conhecimentos necessários para a prática da profissão, fazendo com que a residência
faça parte fundamental da boa formação médica.
A maioria dos preceptores é escolhida pelos seus méritos profissionais, o que nem sempre se reflete
na capacidade de ensinar. Muitos deles não possuem – ou possuem muito pouco – preparo
propriamente pedagógico, o que pode prejudicar o aproveitamento da residência.

ATRIBUTOS DE UM BOM PRECEPTOR
Embora muito já tenha sido discutido e avaliado em termos de residência médica, a análise dos
atributos necessários a um bom preceptor, assim como a oferta de treinamento para o exercício
adequado da preceptoria, ainda não receberam a devida atenção. Uma análise feita com
preceptores de Pediatria, por Wuillaune, em 2000, mostrou que os atributos de um preceptor bemsucedido (segundo sua própria ótica) são: exercício da tutoria, ética e humanismo, domínio do
conteúdo, capacidade de educação permanente e capacidade didática.
Tutor é um termo oriundo do latim e que serve para designar a pessoa que cuida de outra,
considerada incapaz. Este termo é usado no sistema de aprendizagem baseada em problemas para
designar o professor que se preocupa em ensinar o aluno a “aprender a aprender”. Nesse contexto,
o preceptor assume a figura de um facilitador que serve de guia para um processo de aprendizagem
focado no residente, fornecendo instrumentos para que o mesmo desenvolva por si próprio não só
a habilidade procurada, mas outras que venham a ser necessárias posteriormente. Esta é uma
atividade que requer planejamento, competência, capacidade de improvisação e sensibilidade,
exercício na qual o treinamento na área de pedagógica pode fornecer instrumentos para o melhor
desempenho.
Transpondo para a residência médica alguns modelos conceituais da área da graduação, pode-se
notar que o aprendizado obtido sofre fortes influências da motivação para tal e que estratégias para
despertar essa motivação são influenciadas pelo contexto no qual o aprendizado acontece. É
amplamente aceito que estratégias profundas de aprendizado, que incluem uma aproximação
integradora ao conhecimento, proporcionam melhores resultados do que uma aproximação
superficial (ou reprodutora) baseada na memorização. Uma aproximação profunda é motivada pelo
desejo intrínseco de aprender e envolve táticas que resultam num entendimento integrado e
pessoal, ao passo que o aprendizado de superfície é motivado pelo medo de falhar, envolve
memorização e está associado com alta demanda de trabalho. A conscientização da alta demanda de
trabalho e a sensação de estresse estão ligadas a maneiras desorganizadas de aprendizado.

ESTRATÉGIAS DE APRENDIZADO PROFUNDO
NA RESIDÊNCIA MÉDICA
Um aprendizado profundo está associado à percepção das escolhas e sentimento de independência,
e requer um clima de trabalho receptivo. Todavia, a capacidade de dosar o grau de supervisão
exercida versus o grau de independência de atuação deve ser treinada cuidadosamente. Se por um
lado o excesso de liberdade na prática profissional pode levar o residente a se sentir abandonado,
uma supervisão muito próxima pode interferir com a sensação de liberdade e prejudicar o
desenvolvimento de habilidades que devem durar o resto da vida.
Embora as estratégias de aprendizado sejam adotadas pelo residente e sofram influência das
características próprias do mesmo, cabe ao preceptor não só desenvolver táticas que favoreçam o
aprendizado profundo como propiciar um clima adequado para que este se desenvolva. Manyon e
cols, ao estudar as características de preceptores considerados efetivos, observou que tais
preceptores são aqueles que recebem bem os residentes novos, criam um papel central para o
mesmo no cuidado ao pacientes e favorecem um ambiente seguro para a prática de novas

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habilidades. Outros autores ressaltaram que preceptores que adotam o modelo profundo de ensino
são pessoas com uma automotivação própria para o aprendizado e que preferem, elas próprios,
maneiras independentes de educação médica continuada.
Obviamente uma maneira efetiva de exercer a preceptoria, embora crucial, não é tarefa fácil. Pelo
menos três grandes problemas interferem com sua execução. Por primeiro, note-se que no
ambiente em que a mesma acontece existe o paciente. O preceptor, além da atenção a ser dada
ao médico residente, deve atender ao paciente, com seus requerimentos, necessidades e
angústias – o qual interfere diretamente no processo, nem sempre permitindo uma
abordagem gradativa do assunto a ser discutido ou o acontecer natural de um raciocínio.
Em segundo lugar, é necessário que o preceptor consiga realizar sua tarefa com competência em
um curto espaço de tempo, dada a sobrecarga de trabalho existente nos hospitais universitários e
centros de saúde.
Um terceiro problema a ser enfrentado é o de que a percepção do preceptor acerca das
necessidades de aprendizado do residente nem sempre coincide com a percepção do residente
acerca daquilo que ele precisa aprender, ocasionando problemas de motivação. Este é um aspecto
bem evidente ao se preparar, em hospitais terciários, futuros médicos que irão trabalhar no
interior. O reconhecimento pelo preceptor, da percepção do residente acerca de suas preferências
de aprendizado e da relevância atribuída a cada assunto, torna o processo mais efetivo.

PRECEPTORIA DE UM MINUTO
Chemello et al. sugerem o chamado modelo de “Preceptoria em um minuto”, que permitiria um
aprendizado em tempo limitado e em meio às demandas criadas pelo atendimento ao paciente. Os
passos sugeridos por esses autores seriam:
a) Permitir ao residente que, logo após a apresentação do caso clínico de seu paciente ao preceptor,
demonstre a sua interpretação acerca do mesmo. Perguntas abertas, como “O que você acha que
está acontecendo?” ou “Qual a sua ideia acerca da conduta a ser tomada?”, antes de qualquer outro
tipo de comentário pelo preceptor, estimulam o residente a ordenar seus pensamentos acerca do
problema a ser resolvido. Perguntas muito específicas podem reduzir o espaço para discussões e
inibir a livre manifestação do residente.
b) Questionar o residente acerca dos fundamentos de suas opiniões, procurando perceber qual é o
seu raciocínio acerca do processo e qual o seu grau de conhecimento acerca do mesmo. Este
questionamento deve acontecer antes de que o preceptor expresse opinião própria. Perguntas
sugeridas, aqui, são: “O que você acha disso?” ou “ O que mais você considera a respeito?”
c) Introduzir o aprendizado de regras gerais ao invés de informações detalhadas. À medida que o
conhecimento do residente aumenta, a discussão pode se tornar mais complexa. Todavia, os
aspectos básicos devem estar bem sedimentados.
d) Corrigir o que está errado. Erros não corrigidos tendem a se repetir. Entretanto, a correção deve
ser feita de maneira construtiva, com discussão aberta e sugestões de pesquisa sobre o assunto.
Aspectos éticos e morais já foram assinalados anteriormente como fazendo parte crucial do
treinamento na residência; são atributos essenciais a serem desenvolvidos por um bom preceptor.
Embora muitos de nossos serviços de residência criem espaços próprios para ensinar e debater
este tipo de assunto, nada é tão eficiente para o seu aprendizado como o exemplo dado pelo contato
diário com o preceptor. É nestas situações que ele assume o papel da figura paterna. É o exemplo
dado no respeito ao paciente, no resolver problemas e situações de conflito, é o assumir a
responsabilidade de seus atos ainda que com dano próprio, que marcam de maneira profunda o
exemplo a ser seguido. É impressionante como o contato diário influi nesses atributos. Como um
pai, ao olhar para um filho, muitas vezes se admira ao reconhecer no mesmo muito dos seus

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próprios traços fisionômicos, não é raro que um preceptor seja surpreendido ao reconhecer no
residente muito do seu próprio vocabulário, da sua maneira de tratar o paciente e de manejar
situações de crise.
Em nosso meio, aspectos éticos e morais, associados a situações de conflito de interesses criados
pela indústria farmacêutica, também precisam ser monitorados. A maioria das residências
encontra-se em hospitais terciários que também alocam pesquisadores envolvidos no
desenvolvimento e avaliação de novos medicamentos. Vários desses pesquisadores exercem,
também, a preceptoria em residência. Fica fácil entender a influência de uma atividade sobre a
outra. É essencial que tais preceptores separem de maneira clara as duas tarefas.
O preparo do médico residente é fator determinante na qualidade do futuro profissional. Um
treinamento efetivo está associado a uma escolha cuidadosa do preceptor, de acordo com a sua
prática, no sentido de assegurar que ele atenda às metas propostas no programa de residência. É
fundamental que o preceptor seja instruído acerca das metas a serem atingidas, assim como seja
capaz de estabelecer um contrato realístico com o residente acerca dos objetivos da aprendizagem.
É necessário que o próprio preceptor seja ensinado a usar técnicas construtivas de feedback
durante a supervisão exercida e de avaliação das habilidades, do raciocínio clínico e de atitudes do
residente. Em suma, preceptores devem ser treinados e capacitados para tal, algo que até o
momento não acontece.

CONCLUSÃO
Observa-se na atualidade um movimento para profissionalização do preceptor e para dotá-lo dos
atributos essenciais para o seu desempenho. Todavia, muito pouco tem sido feito para alcançar
esses objetivos. Repensar o preparo do preceptor pode ser visto como uma maneira eficiente de
melhorar a residência médica e assim transformar o especialista em formação em um médico
melhor.

Abstract
BACKGROUND: Almost all the activity of the Residency is developed around three main actors: the
patient, the resident and preceptor. The first one, as the object of study and the reason for all the
proposed training, the second, as the one who seeks to learn and to develop technical and
intellectual skills that will enable them to exercise the professional activity, and the third one as the
responsible for the professional, ethical and humanist preparation of the resident and also for
supervising the care provided to patients.
Keywords : Internship and Residency; Preceptorship; Methodology; Learning.

REFERÊNCIAS
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6. Chemello D, Manfroi WC, Machado CLB. O papel do perceptor no ensino médico e o modelo
Preceptoria em um minuto. Rev Bras Ed Med. 2009;33(4):664-9.

Recebido em: 10/03/2012
Aprovado em: 30/05/2012
Conflito de interesses: nenhum
Fonte de financiamento: nenhuma
Correspondências:
Thelma L. Skare
Rua João Alencar Guimarães, 796. Curitiba-PR. 80310-420
E-mail: tskare@onda.com.br

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